por Raphael Guimarães
X-Men Evolution: É bom mesmo ou é só nostalgia?
Uma análise honesta sobre uma das animações mais marcantes da nossa infância Finalmente, X-Men Evolution chegou a uma plataforma de streaming. Depois de anos sendo assistida no Brasil somente através da TV aberta (no saudoso Bom Dia & Cia) e preservada por nossas memórias e corações, as quatro temporadas da animação agora estão disponíveis na […]
Uma análise honesta sobre uma das animações mais marcantes da nossa infância
Finalmente, X-Men Evolution chegou a uma plataforma de streaming.
Depois de anos sendo assistida no Brasil somente através da TV aberta (no saudoso Bom Dia & Cia) e preservada por nossas memórias e corações, as quatro temporadas da animação agora estão disponíveis na HBO Max.
Ao lado de Liga da Justiça – Sem Limites, a série foi um dos desenhos animados que mais marcou a infância de uma geração específica que o assistia antes de ir (ou logo após voltar) para a escola e que já tinha gravado na cabeça o nome de cada mutante que era citado em sua abertura.
Porém, sempre existiram polêmicas a respeito da qualidade da série animada. Por mais que Evolution tenha sido o primeiro contato de uma porção de millenials e gen-Zs com os mutantes da Marvel, uma grande quantidade de nerds mais velhos não curtia o desenho justamente porque preferiam algo mais fiel aos gibis, como era X-Men – A Série Animada, que chegou ao fim três anos antes de Evolution surgir.
Falando como alguém que cresceu assistindo e amando X-Men Evolution e que a reviu recentemente, analisarei a série a partir de alguns pontos chave para tentar responder as perguntas: X-Men Evolution é bom mesmo? Ou é só nostalgia?
Fidelidade aos quadrinhos
Já começamos com um tópico relativo aqui. Uma adaptação de quadrinhos ser fiel não significa nada. Muitas vezes ela pode ter exatamente a mesma narrativa do gibi original e ainda assim ser ruim por falhar em transmitir ideias e sensações satisfatórias ao espectador. Da mesma forma, ela pode ser completamente livre para criar suas próprias histórias e ainda assim honrar o material base – que é o caso de X-Men Evolution.
Primeiramente, é legal lembrar que caso um fã queira assistir um desenho de X-Men que emule os visuais coloridos dos quadrinhos com uma fidelidade de fotocópia dos designs de personagens e uniformes, esse desenho já existe. X-Men – A Série Animada foi um sucesso aclamado e que cumpria todos esses requisitos que os fãs pediam. Se X-Men Evolution veio justamente após o fim de A Série Animada, não deveríamos querer que ela fosse igual, né?
Evolution surgiu em outro momento. Tendo estreado em novembro de 2000, a série veio apenas alguns meses depois do lançamento do filme X-Men, de Bryan Singer. A estratégia da animação de se aproveitar do público do filme para se auto-engajar é bem visível até pelos uniformes que, em vez de coloridos e quadrinescos, eram quase todos pretos, com poucos detalhes coloridos e com visuais padronizados entre os membros. Toda uma estética do fim dos anos 90 e do começo dos 2000, pouco inspirada nas HQs dos mutantes e muito derivada de Matrix e, principalmente, da série Buffy – A Caça-Vampiros.
Na estratégia de alcançar um público mais jovem, os criadores de Evolution chegaram até a citar Buffy publicamente como uma das grandes inspirações da série, tanto no formato episódico e fantástico-urbano quanto no aspecto adolescente de boa parte dos personagens (incluindo algumas como a Vampira e a Feiticeira Escarlate, que tiveram seus visuais totalmente alterados para uma abordagem mais rebelde, gótica e “excluídas”). Inclusive, usar Buffy de referência chega a ser uma ironia do destino já que o criador da série, Joss Whedon (que Deus o tenha), declarou publicamente ter se inspirado em Kitty Pryde (a Lince Negra) para desenvolver a personagem interpretada por Sarah Michelle Gellar.
Ou seja, se a questão é fidelidade aos gibis, desencana. Não é fiel. A proposta é outra. E tudo bem! Uma vez que você se desprende dessa ideia de fidelidade de quadrinhos, você abre seus horizontes para todo uma nova leva de possibilidades.
A história
Agora, saindo dessa ladainha de debater fidelidade, entra a questão: valeu a pena não ser fiel? A história, com todas as liberdades que tomou a partir dos quadrinhos, é decente?
E a resposta é positiva. Quase todos os personagens possuem um bom aproveitamento ao longo das temporadas, com arcos bem desenvolvidos e que alcançam bons níveis emocionais para o espectador. Algo que, ás vezes, era até pesado demais para o público infantil. Usemos de exemplo o Noturno.
A ideia de adaptar o mutante azul, peludo, alemão e católico como um adolescente brincalhão e extrovertido foi algo que, a princípio, desagradou uns fãs mais tradicionais do Noturno (ou Kurt Wagner). Mas como já derrubamos a necessidade de fidelidade como parâmetro de qualidade, precisamos admitir que esse Noturno funciona muito bem.
É uma sacada muito esperta colocar um dos mutantes cujos poderes são mais “aparentes” como um jovem comum e divertido que, não fosse por sua mutação escondida por um relógio alterador de aparência, viveria uma vida normal. Acrescentar também a dinâmica de Kurt como um “irmão mais novo” de Ciclope estabelece, pelo menos na primeira temporada do desenho, uma boa vibe adolescente e que trata os poderes dos X-Men como uma metáfora para a puberdade.
E a comum analogia do gene X para falar sobre preconceito e discriminação também está presente no desenho animado. Um excelente exemplo é o Spyke.
Criado especialmente para a animação (impossibilitando os haters de falarem que seu arco só é interessante por ter sido chupado das HQs), o Spyke tem um dos arcos mais profundos e bem desenvolvidos do desenho.
Apresentado inicialmente como um sobrinho de Tempestade com o dom mutante de disparar espinhos de osso do seu corpo, ao longo das temporadas o herói vai ganhando camadas de complexidade, passando a ter problemas com a aparência de seus poderes e até deixando os X-Men para se unir aos Morlocks (grupo de mutantes que vive nos esgotos por conta de suas aparências incomuns). Isso somado ao fato dele ser um dos únicos jovens negros da animação (na primeira temporada, o único) mostra que os roteiristas não estão alheios as temáticas de discriminação que os X-Men sempre fazem questão de abordar.
E uma coisa que eu tendo a valorizar muito em obras de X-Men é a construção do caos. Nada é mais característico nas histórias dos mutantes do que a confusão, o excesso de personagens e um número absurdo de tramas se intercalando.
Em Evolution a trama até se segura pra não surtar (o que é uma pena) já que a natureza da série é bem mais urbana e cotidiana do que algumas HQs e filmes que fazem questão de inserir viagens temporais, realidades alternativas, clones, memórias falsas e alienígenas. Porém, a progressão que a trama vai tomando conforme novos arcos (Apocalypse) se aproximam, novos personagens (Os Novos Mutantes) são apresentados e novos acontecimentos vão tomando forma (os mutantes sendo revelados para o mundo e tratados pela humanidade como uma ameaça), o saudável excesso de tramas consegue transmitir com eficiência o senso de urgência que uma boa história dos X-Men deve passar.
Visuais, animação e trilha sonora
Infelizmente, devemos confessar que a parte técnica/visual de Evolution é um dos fracos do desenho, Não me entenda errado, não há nada de errado com os conceitos de visual dos personagens, muito pelo contrário. Algumas das interpretações dos heróis da Marvel são tão originais e inspiradas que, para muitos fãs, são até a versão definitiva da personagem – tal qual a Vampira gótica.
O que prejudica um pouco a animação é que justamente quando a série estava em exibição, as outras animações de super-herói eram um sucesso e se destacavam principalmente por seus visuais únicos. Dois bons exemplos eram as duas séries de Liga da Justiça (a original e a Sem Limites) que davam continuidade ao estilo de traço do Bruce Timm de Batman – A Série Animada mas com uma pegada mais robusta e com uma variedade maior de cores, trazendo um aspecto otimista de heroísmo para a série.
Enquanto isso, os visuais de X-Men Evolution eram satisfatórios e originais mas pouco chamativos em meio a tantas animações de qualidade. Por mais que até houvesse um toque de animação asiática por ali (considerando que boa parte da animação, completamente digital, fosse feita em estúdios japoneses e sul-coreanos como Mook Animation, Mad House, White Line e DR Movie), ainda não era párea para outras animações que tinham a mesma intenção como Projeto Zeta (também da Warner) e Jovens Titãs (que, sinceramente, é responsável por praticamente toda a popularidade moderna da equipe dos Titãs).
Se tratando de aspectos técnicos, Evolution brilha é no som. Além da excelente música tema utilizada na abertura, alguns personagens possuem temas próprios utilizados em suas cenas (algo bem comum em animes) como um arranjo de guitarras para o Avalanche, representando sua ousadia e seus poderes “sem ritmo”, e a sinfonia orquestral para Tempestade, ajudando a representar a magnitude e experiência que a personagem, uma professora, possui na série animada.
Confere aí a abertura sem os efeitos sonoros dos nomes dos personagens pra ver o quão JOVEM e ENÉRGICA soa a trilha e, consequentemente, a aura de todo o desenho:
Analisando de uma forma total, X-Men Evolution não é perfeito e nem precisa ser. Mas chega bem mais perto da perfeição se você tentar assistir a série pelo que ela é e não pelo que você espera a partir da série clássica dos anos 90, dos quadrinhos ou qualquer outro referencial.
Afinal de contas, está tudo ali. Os debates em torno da mutação, os personagens bem desenvolvidos e os arcos emocionais e com senso de urgência.
Afinal de contas, eles são os X-Men.