Banner 9 junho, 2022
por Redação PerifaCon

Preto Positivo: Podcast aborda HIV do ponto de vista de pessoas pretas

O podcast é comandado por Emer Conatus e Raul Nunnes Tem um livro chamado Que Venha a Tempestade, do autor americano Paul Bowles. E é uma ficção em que o protagonista passa o tempo todo tentando fugir de uma grande tempestade que está por vir. Só que essa tempestade tá por vir e nunca chega, […]

 

O podcast é comandado por Emer Conatus e Raul Nunnes

Tem um livro chamado Que Venha a Tempestade, do autor americano Paul Bowles. E é uma ficção em que o protagonista passa o tempo todo tentando fugir de uma grande tempestade que está por vir. Só que essa tempestade tá por vir e nunca chega, até que tem um momento dessa história em que ele já se envolveu em tanta treta, em tanto barraco, que a tempestade passou a ser o menor dos problemas dele. E quando essa tempestade chega, ele simplesmente se molha. Eu gosto muito dessa história porque ela me mostra que uma tempestade não precisa ser um grande problema; e foi isso que eu pensei ao pegar o meu diagnóstico de HIV. Se tiver que me molhar, eu vou me molhar. Que venha a tempestade.

O trecho acima foi extraído do primeiro episódio do podcast Preto Positivo, que estreia hoje no Spotify.

Preto Positivo é o primeiro podcast brasileiro focado em discutir o universo da AIDS/HIV. O projeto é comandado por Emer Conatus (28 anos, vive com HIV há 4) e Raul Nunnes (31 anos, vive com HIV há 6) e possui o objetivo de compartilhar histórias de pessoas negras que vivem com o vírus – seja como portadoras ou por o terem presente na sua rotina de alguma forma.

Parte do programa Sound Up 2020/2021, iniciativa do Spotify para potencializar criadores de comunidades sub-representadas e para o desenvolvimento de podcasts, o Preto Positivo aproveita a plataforma do Spotify como uma forma de chegar ao mainstream. O roteirista e apresentador Emer Conatus disse em entrevista ao Portal PerifaCon:

 Não é como se não tivessem pessoas negras falando sobre HIV e AIDS, porque tem. Só não tem acesso a grandes mídias, investimento e impulsionamento. Então, [o podcast] foi uma forma de chegar no mainstream. A gente quer ampliar o máximo, o quanto a gente puder pra chegar em todos os espaços. Não só nos digitais mas também nos espaços físicos, principalmente nas periferias.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, 61% das pessoas que morreram em decorrência de AIDS em 2020 são pessoas negras. O post de apresentação do Preto Positivo no Instagram oficial do podcast questiona: Por que os conteúdos sobre HIV são geralmente produzidos por e para pessoas brancas se a maior parte da população brasileira vivendo com o vírus é negra? Segundo Raul Nunnes, apresentador e produtor executivo do programa, a causa disso é o privilégio que pessoas brancas tem de possuir acesso a informação e a meios de transmitir informação.

A gente entende que toda vez que a gente buscou informação em alguma mídia social, a gente sempre encontrava pessoas brancas falando sobre o assunto, de uma visão completamente diferente e distorcida da nossa. E questionamos porque ,não falamos só de algo local mas a nível mundial, a maior população que morre em decorrência da AIDS hoje é a população negra. Então o que tá faltando pra informação chegar nessas pessoas e discutir esse assunto? Por que os governantes não estão falando desse assunto? O Preto Positivo parte muito desse princípio.

Reprodução: Instagram

Emer Conatus complementa:

É uma questão de racismo estrutural. Em qualquer setor da nossa sociedade a gente vai ter essa disparidade do quanto as pessoas brancas sempre vão ter mais acesso do que as pessoas negras. No nosso país maioria da população é negra e no mercado de trabalho, a maioria é branca. Então a gente acaba virando minoria em relação a poder, aquisição, espaços e acesso. Quando na verdade a nossa população é maioria no país e isso vai refletir em todas as questões, inclusive em relação a HIV e AIDS.

Tanto Emer quanto Raul já participaram antes de alguns projetos sobre o tema (como convidados em podcasts ou até mesmo na série Deu Positivo, produzida pela MTV) mas o diferencial do Preto Positivo em relação a todos esses projetos é que dessa vez eles estão no controle. Desde roteiro, produção, apresentação e edição tudo é feito e aprovado pelos idealizadores do podcast. O Spotify forneceu aos criadores diversos treinamentos e oficinas e também auxiliou com o devido apoio e equipamentos para a produção do projeto mas sem nunca interferir na liberdade de Emer e Raul.

Além dos dois idealizadores, os episódios do podcast possuem um outro participante fixo: o HIV, que aparece como um personagem, uma versão antropomórfica do vírus. Interpretado pelo ator Léo Brás, a personificação da HIV é uma das formas que os criadores encontraram de, literalmente, humanizar a discussão e deixá-la mais natural e até divertida – já que a construção do “convidado especial” envolve o uso de pajubá e uma veia cômica em como ele é escrito (mérito do Emer, que roteirizou o podcast todo). Tudo isso para poder trazer uma abordagem mais leve sobre o tema, fugindo da tradicional seriedade alarmista que a mídia tradicional produz, como disse Emer:

O que a gente quer é naturalizar e falar do assunto sem fazer um alarde, diferente de como é abordado naTV. Na TV, quando você vai falar sobre AIDS sempre tem um “atenção! Atenção! Agora a gente vai falar de uma coisa muito séria que você precisa tomar cuidado!” E não, né, a gente consegue chegar de boa, conversar de boa, sem alarde, sem alarme.

Os entrevistados de cada episódio também refletem o interesse do programa em ser ouvido como algo descontraído e cotidiano, já que todos os convidados são pessoas que já fazem parte do ciclo de amizades de Emer e Raul. O programa conta com a presença de médicos infectologistas, psicólogos, pesquisadores, músicos, comunicadores e ativistas da causa mas, para os apresentadores, nenhuma das conversas que rolou no podcast foi mais especial do que a do sexto episódio. Afinal de contas, esse foi o episódio em que os dois levaram as suas mães até a mesa do programa para falar sobre a experiência de viver com filhos positivados.

A gente fala que foi uma terapia entre eu, Emer e as nossas mães porque ficamos duas horas conversando e ouvindo coisas que eram novidades pra gente, foi uma troca muito sincera. Tem uma coisa especial ali porque é a primeira vez que as nossas mães participam de algo assim e, em muitos momentos, dá pra sentir um orgulho na voz delas.

Ainda sobre os episódios favoritos do programa, Emer deixou bem claro ao Portal PerifaCon que o nono episódio foi um dos que ele mais se divertiu, pois aborda o tema de relacionamentos e, com certeza, foi um dos mais divertidos de gravar. E diversão é a chave aqui. Segundo Emer e Raul, cada escolha feita na produção do podcast foi feita pensando em trazer um ponto de vista otimista, esperançoso e leve de quem convive com HIV e AIDS. Desde o título (Preto Positivo) trazendo um olhar positivista em relação a negritude e aos portadores do vírus; passando pela identidade visual que transmite afeto e vida com tons quentes e terrosos e imagens de Emer e Raul se abraçando; até a trilha sonora que pega elementos de Um Maluco No Pedaço, GTA e Todo Mundo Odeia o Chris para usar como referência de obras que retratam negritude através do humor e da diversão.

Tudo no projeto é voltado para a mensagem de que existe vida e alegria após o diagnóstico e é por isso que eles estampam sorrisos tão largos e verdadeiramente felizes nas fotos de divulgação do podcast. Sobre a alegria presente na produção do programa, Raul nos disse:

Quando eu perdi meu emprego, foi péssimo, foi horrível. Quando eu recebi o diagnóstico também foi uma sensação muito difícil. Mas hoje, assinando um original do Spotify eu só tenho motivo pra sorrir e ser feliz mesmo.

O podcast Preto Positivo chegou hoje (09/06) na plataforma do Spotify.