Banner 9 novembro, 2022
por Redação PerifaCon

Ramatis é a ‘Mina’ – Cantora, tiktoker e com EP novo na pista

Primeiro EP de Ramatis fala, especialmente, sobre a vivência de uma mulher trans Na segunda-feira (31/10), no Halloween, o EP ‘Mina‘ ficou disponível para ser ouvido em todas as plataformas digitais. Com quatro faixas e produção de Carone (pelo selo musical Apple Pie), ‘Mina‘ é o primeiro EP de Ramatis, que está aproveitando seu recente […]

 

Primeiro EP de Ramatis fala, especialmente, sobre a vivência de uma mulher trans

Na segunda-feira (31/10), no Halloween, o EP ‘Mina‘ ficou disponível para ser ouvido em todas as plataformas digitais.

Com quatro faixas e produção de Carone (pelo selo musical Apple Pie), ‘Mina‘ é o primeiro EP de Ramatis, que está aproveitando seu recente crescimento de popularidade na plataforma do TikTok para impulsionar e divulgar seu trabalho como artista musical. Embora sua história com a música não tenha acabado de começar (teve singles lançados em 2019 e 2020), Ramatis ficou com a carreira musical pausada durante a pandemia, período em que iniciou uma segunda (e bem-sucedida) carreira: a de tiktoker.

Na plataforma, ela faz de tudo. Seu conteúdo inclui compartilhar relatos de sua vida, debochar de pessoas e coisas que a irritam, declamar poemas, dar dicas de inglês, entre outras coisas. Sempre usando o humor, a ironia e um pouco de estresse para dar personalidade a seus vídeos, a jovem de vinte e dois anos alcançou em dois anos a marca de trezentos e oitenta mil seguidores – um número significante que, de vez em quando, atrai mais comentários negativos do que ela gostaria. Mas ela não parece ter muitos problemas em lidar com haters.

https://www.tiktok.com/@ramatiss/video/7061348248228859141?_r=1&_t=8X4vf3C1wfN&is_from_webapp=v1&item_id=7061348248228859141
Vídeo mais assistido do perfil de Ramatis, com mais de cinco milhões de visualizações, pelo qual a influenciadora foi notado por uma marca (a Bic) pela primeira vez.

Ás vezes o vídeo chega na pessoa errada, que não entende minha ironia e tudo bem, posso até fazer um outro vídeo respondendo, tirando sarro. Mas quando é um ataque pessoal, desencessário e, muitas vezes, transfóbico, me incomoda pois não tenho direito de resposta já que não tem relação nenhuma com o vídeo. Aí eu apago o comentário porque não quero ficar vendo aquele ataque e também pra pessoa não ter esse direito.

@ramatiss

MINA já tá em todas as plataformas digitais! 💜 O link pra ouvir está na bio do meu perfil, espero que vocês amem muitoooo 🫶

♬ original sound – Ramatis

Se por um lado a exposição a centenas de milhares de pessoas pode ser prejudicial, Ramatis enxerga os números da rede social como uma boa oportunidade de divulgar o seu trabalho musical. Por isso, 2022 parece ser o momento perfeito para o lançamento de seu EP ‘Mina’, que marcará seu retorno á carreira musical e lhe fará enfrentar um novo desafio: o de apresentar essa nova faceta ao seu público do Tiktok e conciliar os fãs de seus vídeos engraçados com os possíveis fãs de seu trabalho na música.

Eu não fiquei conhecida por cantar mas sim por fazer humor. Agora vou ter que quebrar essa barreira, vou ter que ficar conhecida por fazer humor & cantar. Também não quero parar com as piadas e fazer só música, porque aí vou perder a personalidade e autenticidade que conquistou o público, preciso aprender a balancear as duas Ramatis.

E não existem apenas duas Ramatis. Quando intimada pelo Portal PerifaCon a se apresentar, a cantora se descreveu dizendo que é “várias coisas, e ainda pretendo ser várias outras“. Ao ouvir as quatro faixas de seu EP, que caminha por vários estilos, isso fica muito aparente.

Para Ramatis, uma das temáticas que definem o EP é vivência trans. Algumas das músicas foram compostas há três ou quatro anos, bem no início da transição da artista que considera que sua musicalidade hoje é completamente diferente da presente em seus três singles lançados anteriormente devido a ela também não ser mais a mesma.

Arte oficial da capa do EP (esquerda) e rascunho original da capa (direita). Ambos de autoria de Pedro R, ilustrador e namorado de Ramatis.

O som mudou porque eu sou literalmente outra pessoa. Quando lancei minha primeira música, eu ainda era “um menino”. ‘Mina’ fala muito sobre vivência trans e nesse intervalo sem lançar música eu pude me entender melhor e passar por esses processos, e o EP é um pouco sobre isso, passar por algo ruim e depois passar por algo bom. Justamente por eu estar bem resolvida nesse quesito da minha vida, fica fácil falar sobre esses sentimentos que, na época, foram tão doloridos.

A faixa que (quase) dá título ao EP, ‘(Eu Sou A) Mina‘ foi escrita em 2018 para um ex-boy (que não pode ser chamado de ex-namorado) que, mesmo a tratando romanticamente, a escondia e não queria que fossem vistos juntos publicamente. (Eu Sou A) Mina é um hino melancólico e de auto-afirmação que, composto em uma época de lamentação, é hoje lançado num momento em que a cantora se encontra segura de si e dentro de um relacionamento onde é assumida, aceita e respeitada. Inclusive, é Pedro, o namorado de Ramatis, o responsável por todos os visuais do EP, desde a ilustração inicial até a capa (que podem ser vistos acima).

Arte oficial de Penthouse Apartment 🙁

A segunda faixa, Penthouse Apartment 🙁, talvez seja a que mais se diferencie das outras em aspectos musicais. A canção, escrita enquanto Ramatis estava triste em uma festa de aniversário que rolava em uma cobertura (por isso “penthouse apartment“, inglês para “apartamento na cobertura“),já nasceu a partir do contraste de se estar deprimida em um ambiente que normalmente é relacionado a euforia, alegria, felicidade. Fazia sentido que musicalmente ela também apresentasse um contraste no EP, enquanto todas as outras faixas conversam com rap, trap e R&B, Penthouse Apartment 🙁 é um “rockzão”, como ela define.

A escolha por esse estilo vem do interesse de misturar o som de bandas que fizeram parte de sua adolescência (como The Pretty Reckless, Evanescence e Paramore) com o hype do rock “estar voltando” atualmente com nomes como Willow Smith, Olivia Rodrigo, Manneskin

A galera tá voltando a ouvir rock e não só aquele rock antigo, conservador e vanguardista mas sim um rock moderno, jovem, atual. Fez muito sentido para mim e destoar do resto do EP faz parte dessa subversão também.

Junaga (esquerda) e arte oficial de Não Vou Embora (direita).

A terceira faixa traz o primeiro feat do EP. ‘Não Vou Embora‘ é uma música que Ramatis confessa ter composto exclusivamente com o objetivo de gravar em parceria com Junaga, rapper do mesmo bairro da cantora com quem ela fazia questão de ter uma música juntos.

Uma das preocupações de Ramatis era não tornar suas músicas monotemáticas e se resumir a uma “cantora trans” pois embora isso seja uma parte de extrema relevância da identidade artística da cantora, ela também é uma artista pobre e de periferia que faz questão de levar os seus consigo enquanto cresce.

Era fundamental para mim ter o Junaga no EP. Ele é um cara preto e da minha quebrada, acho importante trazer essa representatividade e a potência de um rapper preto cantando ao lado de uma mulher trans. Me fortalece, fortalece ele e fortalece o EP.

A preocupação de enriquecer ‘Mina‘ com vivências que fossem além da sua própria é visível em todo o conjunto. Ramatis também convocou a cantora Teodora Régia para a quarta e última faixa do EP, ‘Ela é Bandida’.

Arte oficial de Ela É Bandida (esquerda) e Teodora Régia (direita).

Para Ramatis, colocar a Teodora em Ela é Bandida fez a música ser o que ela é. Embora as duas sejam travestis, Teodora teve uma vivência menos privilegiada e com uns perrengues que Ramatis nunca enfrentou, como ter sido expulsa de casa. A potência trans ganha ainda mais intensidade quando, no meio da música, entra uma fala de Linn da Quebrada (grande influência para as duas artistas) sobre a dualidade entre criação e destruição, traçando um paralelo com o big bang.

Em ‘Ela é Bandida‘, Ramatis se arrisca nas rimas, tentando resgatar um tipo de rap que costumava ouvir e diz não encontrar mais com tanta facilidade hoje em dia, citando como referência a Monna Brutal, rapper trans da Zona Oeste de São Paulo.

Antigamente, por mais que sempre tenha sido um estilo só pra homens, o rap era sobre compartilhar vivências e experiências, uma poesia ritmada. Hoje, tem muita coisa voltada pra uma ostentação do capital e sinto uma americanização da nossa cultura. É muito ice, muito drip e não tenho nenhum problema com isso mas acho que precisa haver espaço pra todo mundo poder fazer as suas poesias ritmadas. Uma referência é a Monna, uma rapper travesti com um flow único e incomparável que tá sempre cantando sobre as suas vivências.

O EP Mina tenta reunir tudo que compõe Ramatis mas seria ousado dizer que conseguiu. Já que ela mesma se define como “muitas coisas”, quatro músicas jamais seriam o bastante para defini-la. Assim como centenas de vídeos no TikTok também não seriam. É por isso que Mina traz, além de uma vontade de ouvir mais músicas de Ramatis, uma sensação de passeio.

O EP passeia pelo rock, pelo rap, pelo R&B, por melancolias, por alegrias, por músicas intimistas e colaboirações, vivências trans e periféricas, carreira musical e de TikToker e por todos os outros elementos que fazem com que Ramatis seja a Mina.