por Redação PerifaCon
PerifaCon 2023: qual a relação de jogos independentes com a periferia?
A sala voltada para paineis de conversa do mundo gamer foi um dos lugares mais frequentados do evento
A sala voltada para painéis de conversa do mundo gamer foi um dos lugares mais bem frequentados do evento e apesar do tamanho limitado para quantidade de pessoas interessadas em consumir o assunto e teve sua presença marcada por palestrantes não só interessantíssimos, mas também mediadores muito bem-preparados no qual tive a oportunidade de assistir ao painel sobre a cena de jogos indies no Brasil.
Perguntas imediatas me surgiram para além do título, mas antes mesmo de fazê-las, foram muito bem respondidas por Raphael Braga, Andê Borges e Murilo Santana. Com a excelência de oratória, compreensão, credibilidade e uma coerência do tema, estendi minha audiência para além do painel e segui com algumas perguntas. Confere abaixo:
Entrevista Murilo Santana
Pergunta: Como mudar o cenário de acesso da periferia aos jogos independentes?
Murilo: “É encher o saco de quem ‘tá na política pública, sendo bem honesto. A gente acaba se esquecendo (…) será que vai ter a possibilidade de entrar tão assim na periferia? (…) é ter essa troca e exigir mais dentro do setor público. A gente tá falando de periferia então não é todo mundo que tem um computador gamer, não é todo mundo que tem um console e tão pouco é todo mundo que tem um celular. Dentro da indústria de jogos no Brasil, a gente sabe que o maior veículo…a maior plataforma que gira é dentro do Mobile, por isso que FreeFire, por exemplo, está sempre em alta na quebrada. Mas, é pensar também em trocar com os estúdios e fazer essa migração para que chegue nas periferias como um todo.”
Seguindo no mesmo fio, acrescenta: “Não adianta nada seu jogo ser super periférico e seu público não estar conseguindo jogar porque o PC não aguenta ou porque não tem um PC em casa. Talvez, trazer esses jogos dentro de espaços públicos: fábricas de cultura, centro de formação, CEU, escolas.
Pergunta: Como você foi introduzido no mundo gamer sendo de periferia?
Murilo: “Eu tenho que falar que dentro das minhas várias intersecções, fui uma pessoa ainda privilegiada de vir de uma família que sempre teve contato com os jogos. Meu primeiro videogame foi um Atari porque minha mãe teve um e dali eu só peguei gosto e fui estudando. Fui bolsista de ETEC, depois entrei em escola privada como bolsista também. Sempre aquela questão, né? Você quer fazer um negócio, mas você tem que estudar MUITO. (…) Fui uma das pouquíssimas pessoas pretas da minha faculdade, principalmente, uma pessoa trans que normalmente ocupam menos de 3% nas faculdades, então a gente tem que tentar trazer esse pessoal pra dentro.”
Pergunta: Qual jogo independente que você acha que uma pessoa da quebrada consegue ter acesso sem maiores complicações?
Murilo: “Roblox. Para além de ser um jogo acessível e engraçado, você ainda consegue pensar em várias questões de desenvolvimento como design, criação, conceito. Enfim. Eu diria Roblox.”
Entrevista Raphael Braga
Pergunta: Qual jogo independente que você acha que uma pessoa da quebrada consegue ter acesso sem maiores complicações?
Raphael: “Tem vários. Eu poderia recomendar alguns estúdios. (…) Tem alguns jogos que estão fazendo conteúdos mais emergentes sobre a periferia, mas um em específico, eu diria Arida, é um jogo nacional que já vem ganhando espaço até mesmo internacionalmente, tem na Steam e agora eles estão com a versão para Mobile que, inclusive, é paga. Mas, acessível. E vai lançar o Guetto Zombies que é da FOGOgames, esse talvez seja gratuito e é acelerado pela SPCINE que fez a sala (painel de debate) com a gente.”
Pergunta: Qual foi a primeira coisa que você fez quando se interessou pela parte de desenvolvimento de jogos?
Raphael: “Gosto de videogame desde muito jovem. Sempre gostei. (…) tive essa vontade de desenvolver, mas o período eu estava jovem, não tinha (acesso), né? Hoje eu dou aula de tecnologia e jogos e eu falo pros meus alunos que eu trilhei um caminho muito árduo até cair no design gráfico. Fiz minha faculdade pelo Prouni e, aí sim, consegui acessar esse meu interesse artístico. A partir daí fui tentando explorar essa coisa do design.”
Ao final da pergunta, Raphael, por conta própria abordou a importância do evento:
“Mas, realmente, Perifacon foi onde eu vim numa sala com desenvolvedores pretos e da periferia. Foi aí onde começou minha trajetória profissional com games então eu sou muito grato a esse festival, pois me juntando com outros desenvolvedores que estavam querendo desenvolver na periferia que deu certo. Talvez seja até mais fácil pra quem ta começando agora ter algumas referências, né?”
Raphael também participou do desenvolvimento de um dos vídeos de divulgação do show histórico do Racionais no Rock In Rio 2022, então, aproveitei pra perguntar sobre como foi o processo. Segue:
“A ideia primeiramente foi surtar. Sou muito fã de Racionais [ele usava uma camisa do grupo] e venho tendo essa parceria com a Perifacon desde a primeira edição. A sala de jogos era bem reduzida e eu já estava lá, então, tive muito contato com os criadores. O Jef (Jef Delgado) me ligou e contou sobre o projeto […] foi muito legal. Eu não sabia lidar com toda a liberdade (criativa) que ele me deu, mas fiz o melhor que consegui e saiu um vídeo muito massa com estilo retro em pixel arte e ele deu o feedback que a galera da produção da Boogie Naipe gostou muito. É um projeto que eu guardo com muito carinho. É por isso que eu faço arte, faço jogos, para acessar lugares como esse.”
A representatividade do evento e das pessoas que dele participam, por mais que diferentes, parecem ter a mesma porta de entrada e é por isso que festivais como a Perifacon são tão importantes pra formação que jovens como Raphael e Murilo.
Como o evento atravessa o jovem de periferia?
Com a primeira edição do evento realizada em 2019, a convenção retorna esse ano com maior estrutura e mantém o seu propósito: ser periférico. Com início marcado para as 10h de um domingo do dia 30 de julho e painéis para lá de importantes em toda a grade de horário, quando cheguei, por volta das 17h o público ainda era grande e, definitivamente, bem aflorado e engajado com absolutamente todas as atividades da convenção.
O evento aconteceu no coração da Cidade Tiradentes e logo na entrada seu maior enquadro de relevância foi elucidado com a fila marcada pela pluralidade que grandes eventos de Comic Con atuais não entregam e em sua maioria não são acessíveis.
Mas afinal, não são acessados ou o público é limitado?
A Perifacon contou especialmente com grandes patrocinadores: NetFlix, Kwai, Ifood, Kenner e a lista é extensa, mas nada disso foi mais eficaz do que o objetivo do projeto com um ingresso gratuito e suas diversas nuances por trás de cada uma das atividades propostas pelo evento. De jogos a painéis do mundo geek, pop e música (com participações para lá de bem recebidas do público com o elenco de Sintonia e os rappers Rashid e Tasha&Tracie). Então a resposta para essa pergunta surge com a prática.
Mais do que entretenimento para a favela, o universo de heróis, quadrinhos, jogos e pop é engajado e consumido por nós há muito tempo. Eventos como a Perifacon são para além de diversão num dia de domingo, é estar num evento onde consumimos, rodamos dinheiro entre os nossos e, para além disso, nos vemos. Nos vemos na arte, no telão, nos heróis, nos quadrinhos, nos palcos.
Perifacon é o suprassumo da catarse em seu melhor estado: vida longa a Perifacon.