Banner 28 setembro, 2023
por Redação PerifaCon

PerifaCon 2023: Os diferentes traços do Beco dos Artistas

A PerifaCon 2023 contou com diversos artistas incríveis

 

Texto por: Ellen Silva e Gabriel Santos


A edição de 2023 da PerifaCon aconteceu no dia 30 de julho e tivemos a oportunidade de entrevistar algumas pessoas que estavam expondo no Beco dos Artistas. Com artistas e quadrinistas vindos da periferia, e não só da de São Paulo, a área reuniu mais de oitenta expositores. Analisando pela parcela entrevistada, todos ali tinham algo interessante para contar.

Os entrevistados foram Leonardo Cesar (leocesaturn), Lyv (lyv_x), Cecília Ramos (cartumante), Eryk Souza (kyreryk), Paloma Santos (partes.art), Nath Bê (cofundadora da IndieVisivel Press) e Douglas Docelino (douglasdocelino).

Entre os produtos expostos pelos artistas havia uma grande variedade: zines, prints, adesivos, quadrinhos, bottons, ecobags, entre outros. Todos eles bebendo de inspiração na cultura pop, filmes e personagens negros como Blade e Corra, dois dos temas mais vendidos pela Lyv.

Ao serem questionados sobre quais são os produtos que as pessoas mais compram, todos os entrevistados falaram sobre um mesmo produto entre os mencionados: adesivos.

Eryk diz que o que mais sai em sua mesa são seus prints e os adesivos de grandes nomes da música pop como os do álbum Motamami, da Rosália, e do Renaissance, da Beyoncé. Já Leonardo também passa pela grande demanda pelos adesivos, só que dessa vez o destaque vai na inspiração por Digimon. Conhecido por ter passado na TV aberta no começo dos anos 2000, Leo diz que fica feliz pelo carinho que recebe dos fãs do anime ao ver suas artes. Ele tem grande apego emocional ao desenho e não vê tantos artistas produzindo itens sobre a história. “Achei minha galera, achei meus amigos” é o que ele pensa quando vê as pessoas amando os produtos que ele faz de Digimon.

Já no campo dos quadrinhos, Simone, produzido por Douglas Docelino, deixou o autor surpreso por ter grande saída. Ele diz que começou a trabalhar em seu projeto pessoal há, mais ou menos, dois ou três anos, sem pretensão, apenas para portfólio, e agora estreia seu terceiro volume na Perifacon. Ambientado em São Paulo, esse novo volume tem como palco o bairro da Liberdade. Douglas fala que escolheu essa localidade para o seu mangá com a ideia de resgatar as raízes afro-brasileiras que existem no bairro. Ele menciona a história de Chaguinha, militar negro que se revoltou contra o governo português e escapou da forca três vezes gerando o nome do local de Liberdade. Além do fato de escravos e indígenas terem sido enterrados no bairro. “É legal (o bairro) ter esses elementos do Japão, mas tem muito elemento do Brasil aqui também”.

Quando perguntados sobre principais influências no campo artístico, vários nomes foram citados. Mauricio de Sousa (leocesaturn), Saudade e Nazura (lyv_x), Paulo Moreira e Batatinha Fantasma (cartumante), Frida Kahlo (partes.art), Mignola, Isaac Sagara e Isaac Santos (Narrativas Periféricas) e Masashi Kishimoto (douglasdocelino).

Fica claro que existem vários lugares onde é possível encontrar alguém que sirva como modelo e inspiração para novas artes.

Os artistas também deram dicas para quem está começando na profissão. Desde incentivos para praticar bastante e avisos para ter muita resiliência porque não é algo fácil (Nath Bê), até respeitar seu processo e buscar referências em temas que sejam atrativos (Eryk). Entrando mais na questão das referências, o Erik diz que “não é copiar, mas a referência, ela deve ser clara. Porque acho que nada vem do nada, sabe? A gente vai descobrindo as coisas e vai construindo”. Ele ainda adiciona que “é interessante você mesclar com coisas da sua vida para que você não esteja só buscando coisas do mundo. Não digo que é alienado, mas acho que é interessante as pessoas olharem para o trabalho e criarem uma relação afetiva”.

Douglas reforça o ponto de Eryk ao encorajar o estudo das artes com as quais já haja uma familiaridade, dado que isso é comum entre artistas. “Você não pode fechar os olhos, achar que vai brotar um estilo do nada, porque não é assim que funciona, mas dá uma olhadinha nas referências que você gosta. E põe o seu coração. Parece meio clichê, mas quando você faz as coisas do seu coração elas fluem melhor”, diz ele.

“Eu vou falar algo que o Mauricio de Sousa me disse quando eu pedi pra ele uma dica lá em 2012. Ele disse ‘saiba o que você gosta de fazer, encontre o seu público e ache o seu lugar ao sol’.”, é o que Leo Cesar compartilhou.

Todos os artistas entrevistados reforçam essa ideia de que o traço vem de uma maneira muito particular. Eryk busca referências das ruas que vê e nos lugares que passa. Combinado com seu gosto por animes e mangás, ele usa isso para criar cenários que misturam ficção científica e contextos urbanos. Paloma Santos coloca em seu trabalho um pouco de representatividade usando sua vivência como mulher com deficiência. Já Douglas tenta aplicar o que consome de quadrinistas americanos, japoneses e brasileiros, mas diz que um artista nunca está satisfeito com seu trabalho. 

Leo comenta sobre o tempo que levou para encontrar seu estilo, dizendo que foi um processo demorado. Na visão dele, estilo de desenho é sobre a maneira como alguém enxerga o mundo. “Quando você vai desenhar, por mais que você queira fazer algo realista, vai sair um mundo da sua visão de mundo, sabe”.

Para finalizar, Cartumante aconselha a quem quer começar a não ter vergonha de expor suas ideias, pois, de acordo com ela, não existe o tempo certo. “Ninguém espera trabalhar com arte, acaba acontecendo assim”.

Foi unânime a opinião sobre a importância da PerifaCon porque eles sabem que, mesmo hoje em dia, o universo geek ainda é elitizado. Para Lyv, a Perifacon veio para suprir essa falta que as pessoas de quebrada tinham, especialmente no sentido de não se sentirem identificados nesses ambientes.

Nath Bê enfatiza que é muito importante levar cultura onde as pessoas estão, ao invés de sempre forçar elas a se locomoverem para isso. Para ela, a iniciativa da Perifacon faz exatamente isso porque tira o que tipicamente acontece no centro e leva para onde as pessoas realmente estão.

Quando questionada sobre o impacto que a Perifacon teria, Paloma diz que é até difícil de dimensionar a importância do evento: “porque é um corre de muita gente trabalhando, muita gente da quebrada, de trazer artistas também da quebrada, artistas diversos”.

Dizer que essa galera não consome é mentira, a gente tá vendo isso aqui. É muita gente e a galera adora”, diz Douglas Docelino sobre a demanda por mangás brasileiros na Perifacon.

“[…] a gente gosta de ler quadrinhos, a gente gosta de ler mangá, a gente é otaku também, sabe. Isso é o que a gente não vê, tipo assim, as pessoas representando pessoas da periferia e pretas com esses costumes, com esses gostos, sabe.” disse Leonardo, e é impossível discordar.