Notícias 17 maio, 2024
por Redação PerifaCon

“DUNA – PARTE 2”: IMERSÃO E O PODER DO CINEMA

Nesta jornada épica pelo deserto de Arrakis, o visionário Denis Villeneuve se revela um verdadeiro maestro, superando os desafios de adaptar integralmente uma obra considerada por muitos como inadaptável.

 

Com total confiança após a recepção mista da primeira parte, Denis Villeneuve, entrega mais uma impressionante obra-prima com sua adaptação escaldante do final do primeiro livro da saga

Texto por: Hyader Epaminondas

Nesta jornada épica pelo deserto de Arrakis, o visionário Denis Villeneuve se revela um verdadeiro maestro, superando os desafios de adaptar integralmente uma obra considerada por muitos como inadaptável. Ele corrige erros e exalta os acertos da primeira parte, entregando uma experiência cinematográfica arrebatadora para finalizar a história do primeiro livro da Saga de Frank Herbert

O roteiro de Villeneuve, Jon Spaihts e Eric Roth sintetiza com fidelidade a trama do romance, finalmente dando vida a personagens complexos que enfrentam desafios impossíveis em uma jornada repleta de sacrifícios e traições rumo a um futuro melhor para a humanidade.

Na primeira parte da adaptação, Villeneuve enfrentou um desafio monumental: tornar acessível ao grande público uma obra que muitos consideravam inadaptável. Duna, conhecido por sua ambientação estéril e uma mitologia complexa, apresentava uma saga relativamente desconhecida para o grande público. No entanto, ao invés de sucumbir a esses obstáculos, o diretor os transformou em pilares fundamentais da narrativa, fragmentando em duas partes coesas, a primeira com foco na introdução da temática e a segunda na execução dos temas.

A introdução de novos personagens e o aprofundamento dos já conhecidos não apenas enriquecem o universo de Duna, mas também proporcionam uma imersão profunda na intrincada teia de relações e eventos que moldam esse universo. Além disso, as cenas com humor sutil e afinado servem como contraponto à atmosfera árida do planeta Arrakis, criando uma experiência calorosa, cativante e envolvente que transcende as expectativas principalmente em comparação com a primeira parte da história.

ELENCO E DIREÇÃO ALINHADOS

Um dos destaques do filme é a atuação de Timothée Chalamet no papel de Paul Atreides. Seu amadurecimento ao interpretar o personagem é visível através de sua expressão corporal mais confiante e decisiva, e pelo seu olhar que se transforma ao longo da narrativa rumo à sua fatídica ascensão ao posto do suposto messias dos Fremen, o Kwisatz Haderach. Sua interpretação cáustica e imersiva cativa o espectador de forma surpreendente, enquanto acompanhamos sua jornada de crescimento meticulosamente delineada pela sua trajetória pelo deserto de Arrakis

A química entre Chalamet e o restante do elenco é sinérgica, devido à relação íntima do diretor com a história de Duna e ao comprometimento dos próprios atores, que entregam tudo mesmo em seus respectivos curtos tempos em cena, elevando ainda mais o nível da performance e aprofundando as relações entre os personagens.

Junto de Chalamet temos o magnífico Javier Bardem, interpretando o carismático e fanatico Stilgar, é através da visão dele que vemos a evolução e o desenvolvimento de Paul, de certa forma ele é alegoricamente o coração do filme, é através de seus olhos que vamos compreendendo o destino de Duna

Rebecca Ferguson retorna triunfante como a matriarca da família Atreides, todo contexto religioso da  saga é encapsulado em torno de sua personagem, que já não mais se mostra frágil e perdida como na primeira parte, é nela que vemos o verdadeiro poder das Bene Gesserit tomando forma com suas atitudes maquiavelicamente orquestrada no controle da narrativa. 

Por último, vale destacar Zendaya, cuja interpretação do par romântico do protagonista messiânico é inicialmente morna e artificial, porém ganha vida nos momentos em que Chani enfrenta seus dilemas internos sozinha. É quando seus olhos transmitem silenciosamente toda a complexidade de suas lutas internas, elevando sua atuação a um patamar mais cativante.

A principal distinçao de Paul na jornada do escolhido é que ele não tem inseguranças sobre si mesmo em relação aos seus feitos profetizados, ele tem medo das certezas de que, ao aceitar seu chamado, irá cumprir sem remorso e com precisão sua profecia ao pé da letra, rumo a uma guerra santa imersa em genocídio interplanetário.

UM MERGULHO PROFUNDO NO CORAÇÃO DE ARRAKIS ATRAVÉS DO SOM

É impossível comentar sobre a adaptação Duna sem mencionar a trilha sonora estonteante que acompanha a narrativa. Composta por Hans Zimmer, cada nota e melodia são como fios condutores que tecem a atmosfera singular do filme. A música envolvente e eletrizante não apenas acompanha, mas guia sutilmente o espectador através das vastas dunas de Arrakis, imergindo completamente nesse mundo fictício. 

A cada compasso, a trilha sonora intensifica as emoções, desde a serenidade dos momentos reflexivos até a tensão palpável dos conflitos de guerra. Os arranjos intricados e a variação tonal, dos graves profundos aos agudos vibrantes, são habilmente utilizados para criar uma experiência sensorial poderosa. A trilha sonora não apenas complementa a narrativa visual, mas também se torna uma personagem por si só, enriquecendo a jornada deste universo com sua presença marcante e inesquecível.

Duna estimula sensorialmente através das vibrações sonoras a cada grande acontecimento, é como se a Voz estivesse constantemente sussurrando os feitos em cena, quase impondo uma submissão verbal, obrigando a prestar atenção em cada minúsculo grão de areia fluindo em Arrakis.

MAS AFINAL, SOBRE O QUE SE TRATA A TRAMA DE DUNA?

Na saga composta por duas trilogias, encontramos um espelho inquietante dos conflitos contemporâneos que assolam nosso mundo. Frank Herbert desconstrói a jornada do herói para expor a fragilidade e falsidade por trás do mito da meritocracia e do enviesamento do colonizador. 

Ambientado em um universo distante de ficção científica, o filme traça paralelos fascinantes com as guerras e tensões geopolíticas que dominam as notícias atualmente. O planeta Arrakis é o cenário onde a narrativa ecoa os confrontos reais pelo controle de recursos escassos ou de alto valor econômico, como os observados na disputa entre Ucrânia e Rússia, onde territórios naturais se tornaram o centro das hostilidades.

As complexas alianças políticas e traições em Duna refletem os jogos de poder e as alianças estratégicas presentes nos conflitos contemporâneos. Da guerra na Ucrânia às tensões entre EUA e China, vemos o mesmo padrão de interesses conflitantes e alianças cambiantes.

Duna não hesita em explorar as consequências humanitárias dos conflitos, nos confrontando com imagens vívidas da devastação e sofrimento causados pela guerra, principalmente nesse filme, onde a guerra é estampada de forma visceral. Essas cenas ecoam os relatos de tragédias humanas nos conflitos, trazendo reflexão sobre as consequências éticas, morais e humanitárias desses confrontos. Os paralelos com intervenções estrangeiras e a exploração de territórios e recursos naturais nos fazem questionar não apenas os eventos na tela, mas também as políticas e práticas do nosso próprio mundo.

Uma das questões mais intrigantes abordadas é uma análise crítica ambígua sobre a propaganda de guerra, um elemento essencial em qualquer conflito. Tanto Villeneuve quanto o autor original, Frank Herbert, retratam com fidelidade como os poderosos manipulam a mídia e a narrativa para justificar a guerra e promover seus próprios interesses, utilizando a família principal, os Atraedes, como personificação desse tema. As cenas de propaganda dentro do filme são assustadoramente familiares, lembrando das estratégias utilizadas ao longo da história para enganar e mobilizar as massas em direção ao conflito.

A segunda parte de Duna explora profundamente a propaganda religiosa, mostrando como as crenças e mitos podem ser utilizados como ferramentas de controle e poder. A religião é retratada como uma força poderosa que molda as mentes e influencia as ações das pessoas, muitas vezes para servir aos interesses daqueles que a manipulam. É através dos conflitos dos personagens que vem a reflexão como ponto focal do dilema moral sobre como as instituições religiosas podem ser cooptadas para fins políticos e de controle social.

A preservação ambiental também é um tema central no planeta Arrakis, destacando a importância de respeitar e proteger os recursos naturais do nosso planeta. A luta pelo controle do recurso mais valioso do universo, a especiaria melange, é um reflexo das batalhas que travamos em nosso próprio mundo pela água, terra, combustível e energia. 

PLANTANDO AS SEMENTES PARA A SEQUÊNCIA

Como um tema a ser explorado na sequência, a obra disserta sobre a perigosa tendência de idolatrar líderes como salvadores, destacando como isso pode restringir, controlar  e dissolver o livre arbítrio humano.

O culto à personalidade em torno do protagonista, Paul Atreides, revela como as pessoas podem ser facilmente seduzidas pela promessa de um líder carismático que promete soluções fáceis para problemas complexos, mergulhando fundo na dinâmica do marketing político e religioso, destacando como as figuras de autoridade são promovidas como salvadores e líderes messiânicos.

A construção de mitos em torno desses líderes é cuidadosamente orquestrada fragmentada em partes extremamente bem elaboradas para garantir lealdade e adoração cega, enquanto qualquer dissidência é suprimida através de táticas de manipulação emocional e intimidação. São feitos diversos questionamentos na saga sobre a validade dessas narrativas e nos alerta sobre os perigos de aceitar passivamente as mensagens propagandísticas sem questionamento crítico.

E ao adaptar com dedicação e carinho, o que fica explícito na montagem das cenas, o desfecho do primeiro livro da saga nos deixa extremamente ansiosos pela continuação da história nos próximos filmes. A promessa de explorar novos territórios, dilemas e desafios em “O Messias de Duna” deixa qualquer um ansioso pela experiência avassaladora que foi assistir a essa adaptação do primeiro livro, ansiando por mais surpresas e reviravoltas que apenas um diretor do calibre de Denis Villeneuve pode entregar.