Banner 13 setembro, 2023
por Redação PerifaCon

Tudo o que rolou na 7ª edição da Bienal de Quadrinhos de Curitiba

A Bienal de Quadrinhos de Curitiba aconteceu no último final de semana

 

Texto por Leonardo Rodrigues, redator do Portal PerifaCon

Entre os dias 07 e 11 de setembro, Curitiba recebeu a volta de um dos principais eventos de quadrinhos do país: a 7a Bienal de Quadrinhos. Após uma edição online durante a pandemia e longos cinco anos desde a última edição presencial em 2018, o Museu Municipal de Arte da cidade foi palco de encontros e reencontros entre artistas, leitores, jornalistas, editores e tantos outros que constroem a cena do quadrinho nacional. 

A curadoria desta edição foi de Mitie Taketani e Dandara Palankof, com o tema “resistência e existências: quadrinhos e corpos plurais”, destacando assim a atuação e trabalhos de mulheres, pessoas negras, LGBTQIAPN+ e indígenas de diferentes regiões do país. A programação dos quatro dias de evento combinou feira de quadrinhos, exposições, oficinas, conversas, premiações e muito mais. 

Iluminação da invisibilidade 

O universo dos quadrinhos é composto por diversos profissionais que desempenham funções extremamente importantes, mas que nem sempre recebem o reconhecimento devido. E uma dessas funções é a de letreiramento – ou seja, de desenvolver e aplicar as letras em uma história em quadrinho, desde os letterings até os textos dos balões. Assim, um dos destaques da Bienal deste ano foi a homenagem a Lilian Mitsunaga, uma das mais importantes letristas da história do quadrinho brasileiro. Lilian tem mais de 40 anos de carreira, tendo trabalhado em mais de 2400 edições, que incluem quadrinhos da Marvel, DIsney, quadrinhos de Robert Crumb, Will Eisner e muitos outros mais. Durante a cerimônia de abertura do evento, ela recebeu o Prêmio Cláudio Seto de Quadrinhos e o Troféu Maria Erótica, sendo ovacionada pelos presentes.

Lilian Mitsunaga com o Troféu Maria Erótica – foto por Leonardo Rodrigues

No discurso de agradecimento, a letrista destacou que nunca pensou que um dia seria premiada pelo seu trabalho com letras, e que apesar de estar nos bastidores  – a “baterista da banda”, como ela mesma se denominou, aquela que deixa o destaque para quem está na frente -, sempre teve ciência da importância e responsabilidade do seu trabalho para o todo dos quadrinhos. Além da premiação, a exposição “Lilian Mitsunaga: 4 décadas nos quadrinhos” apresentou um panorama do seu trabalho em celebração à letrista. 

Chantal Montellier

Chantal Montellier – Foto Reprodução/Comix Zone

Outra artista em destaque no evento foi a francesa Chantal Montellier,  que esteve presente no evento como uma quadrinista convidada. Chantal é um dos principais nomes do quadrinho francês, já tendo publicado em grandes jornais e revistas como Le Monde e L’Express, e nas revistas em quadrinhos Charlie Mensuel e Métal Hurlant. Mas seu maior reconhecimento vem de seus trabalhos de cunho feminista, marcados pelas denúncias a opressões e violências sociais. Colaborou com a revista feminista Ah! Nana, além de ser co-fundadora do Prêmio Artémisia, celebra anualmente produções de mulheres nos quadrinhos. No Brasil, foram publicadas a sua adaptação em quadrinho de “O Processo” de Franz Kafka, o quadrinho “Social Fiction” e o recente “Bruxas Minhas Irmãs” – esse último, sobre mulheres que foram taxadas de bruxas por não corresponderem ao ideal de feminilidade imposto pela sociedade. 

Na Bienal, Chantal participou do bate-papo “Chantal, nossa irmã”, com mediação da pesquisadora Emanuela Siqueira e da quadrinista Aline Zouvi. Ela também conversou com quadrinistas, participou de sessões de autógrafos e trocou quadrinhos com artistas brasileiras. 

Feira Muvuca

Esse é um dos pontos centrais da Bienal,a feira de artes Muvuca. Reunindo mais de 180 artistas participantes – entre artistas individuais, coletivos e editoras – de todo o Brasil.  Disposta em uma tenda externa na praça atrás do MUMA, a Muvuca recebeu tanto os visitantes intencionais como muitas pessoas do bairro, que curiosas pela movimentação no local, passeavam entre as mesas de artistas e conheciam os seus trabalhos e o restante do evento. Podia-se ver muitas crianças e idosos entre os visitantes.

Tenda da Feira Muvuca – foto por Leonardo Rodrigues

Embora fosse possível encontrar produções diversas, como prints, chaveiros, bolsas e adesivos, o maior atrativo da feira era justamente a oportunidade de conhecer e adquirir quadrinhos autorais diretamente com os artistas presentes, além de poder conhecer e conversar com eles. Assim como no restante do evento, na Muvuca era notável a presença de artistas negros, indígenas, não-brancos, mulheres e LGBTQIAPN+, assim como a diversidade de trabalhos – de temas, estilos e narrativas. 

No domingo, último dia de evento, eram constantes as salvas de palmas enérgicas que insurgiram na Muvuca: era a forma de todes celebrarem a cada artista presente que anunciava ter vendido todo o seu estoque de quadrinhos, o que contagiava o público a aplaudir e comemorar junto. O clima era de satisfação e alegria coletiva pelo reencontro com o evento presencial.

Bate-papos e oficinas

Ao lado da Muvuca, no Palco Ocupa, aconteceram conversas, performances, entrevistas, demonstrações de trabalhos e muitas outras atividades selecionadas pela curadoria do evento. Destaque para as entrevistas realizadas pelo time da Mina de HQ com artistas como Sirlene Barbosa, Cecília Marins e Carol Ito; bate-papo sobre Super Heróis Queer com Dandara Palankof, Adria A. e Guilherme Smee; o lançamento do quadrinho “Boy Dodói” e a conversa sobre “Quadrinhos e educação: identidade e representação negra nas HQs”, com Márcio R. Garcia.

Os auditórios do MUMA também receberam diversas conversas, destacando aqui o  bate papo com Marcelo D`Salete sobre o seu quadrinho “Mukanda Tiodora”; “Escrever quadrinhos: pesquisa e roteiro” com Triscila Oliveira, Sirlene Barbosa, Carol Sakura,  Mylie Pampunch e Liber Paz; “Quadrinhos, autismo e neurodiversidade” com Fulvio Pacheco e Carol Sakura; “Terra, Território e Quadrinhos”, com TAI, Marília Marz, Raphaela Corsi, Laura Mazzo, André Toral e  Guilherme Caldas.

Também foram realizadas diversas oficinas, permitindo com que o público pudesse aprender e trocar sobre a prática de quadrinhos em diferentes âmbitos com artistas presentes no evento, como as oficinas de Jornalismo em Quadrinhos realizada pelas artistas Gabriela Güllich e Cecília Marins, de Colorização Digital pela artista TAI e quadrinhos experimentais com Ivo Puiupo. 

Exposições sobre quadrinhos 

As salas de exposição do MUMA receberam algumas mostras dedicadas aos quadrinhos, de acordo com a curadoria do evento este ano. Além da mencionada exposição sobre o trabalho de Lilian Mitsunaga, a Bienal de Quadrinhos contou com as mostras “Das redes sociais aos livros”, “Destinos”, “Intersecções”, “Resistências”, “Brasil em Quadrinhos”, “Charges e cartuns: crítica na ponta do lápis”, “Maria Erótica: outros erotismos” e “Ultraviolência”. No dia 08 de setembro foi realizada uma visita guiada com as curadoras do evento, Mitie Taketani e Dandara Palankof. 

Páginas de “Arlindo”, de Ilustralu – foto por Leonardo Rodrigues

Bienal para além da Bienal 

A programação da Bienal de Quadrinhos não se limitou a si mesma: envolveu também muitos outros espaços e ações pela capital paranaense, como a exposição “Carolina”, baseada no quadrinho homônimo de Sirlene Barbosa e João Pinheiro, sediada no Centro Cultural FIEP; a exposição “Prata da Casa – a Gibiteca na Bienal”, na Gibiteca de Curitiba; a “Semana HQ na Caixa”, com diversas oficinas na Caixa Cultural da cidade; e a primeira edição do “Linhas Paralelas”, evento acadêmico na UTFPR dedicado à pesquisa em e sobre quadrinhos, que reuniu diferentes grupos de pesquisa dedicados aos quadrinhos para uma primeira conferência. 

Viva a Bienal de Quadrinhos!

Após anos dantescos de pandemia e do governo anterior, o reencontro presencial com a Bienal de Quadrinhos de Curitiba era algo que todes aguardavam com ansiedade. O evento sempre acontece bianualmente, em alternância com o FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, sendo então a primeira edição presencial desde 2018. A importância de eventos como Bienal e FIQ em locais públicos, com acesso gratuito e que destacam as produções independentes e autorais se mostra cada vez maior, tornando essas cidades verdadeiras capitais do quadrinho brasileiro – já que as programações sempre extrapolam o perímetro do evento oficial. Tanto para a manutenção e desenvolvimento da cena atual do quadrinho brasileiro, como para a manutenção dos legados construídos e, principalmente, para semear as sementes dos quadrinhos e das artes nas novas gerações. Vida longa à Bienal de Quadrinhos.