por Redação PerifaCon
“Retratos Fantasmas”: Um sonho entre o imaginário e o real de Kleber Mendonça Filho
Os filmes de ficção são os melhores documentários
Texto por Hyader
De forma repentina, somos envolvidos por essa história singular de Retratos Fantasmas, uma obra cinematográfica que transcende o gênero documentário, flertando com o ficcional de forma sutil, como se estivesse se equilibrando em uma corda bamba. Com um início delicadamente hesitante, como se estivesse cuidadosamente escolhendo as palavras para narrar uma história de amor pura, autêntica, cativante e encantadora.
Apesar de ser um filme centrado em si mesmo, a sua linguagem e as escolhas narrativas nunca caem no clichê narcisista enquanto navegamos pelas reflexões do diretor. Nesta produção, Kleber Mendonça Filho nos leva a um passeio apaixonante pelas ruas recheadas de memórias do centro de Recife, ao revelar um período no tempo que já passou, mas que continua vivo escondido nas sombras e nas rachaduras da cidade e em suas próprias lembranças de uma época menos plástica e mais cheia de significados.
O diretor se expõe por completo em seu ápice criativo, tecendo uma narrativa complexa e envolvente, que nos faz refletir profundamente sobre a natureza cíclica do tempo e a nostalgia que permeia nossos arredores e nossas vidas. Kleber utiliza a cidade como um protagonista, com suas ruas, prédios e monumentos que atuam como janelas para um mundo esquecido, mas não perdido. É como se as paredes e janelas guardassem segredos do passado, esperando serem redescobertos e revelados.
Retratos Fantasmas começa a ganhar vida quando o diretor explora sua casa de infância por meio de antigas gravações guardadas de sua juventude. Junto com o público, ele redescobre pequenos detalhes subjetivos nos objetos inanimados, vestígios de significado que não são visíveis a olho nu, mas sim ocultos sob camadas de memórias repletas de amor. Essa jornada cinematográfica nos transporta para os cinemas de rua, localizados no charmoso centro antigo de Recife. Aqui, uma sensação de voyeurismo quase nos coloca, o público, como observadores ocultos, espiando os eventos documentados no filme através de uma fresta na porta.
O som do filme é hipnoticamente urbano, criando uma atmosfera única que nos transporta para essa viagem no tempo. A cinematografia é deslumbrantemente crua, capturando a beleza crua e decadente do centro esquecido de uma grande metrópole e seus contrastes, e tal formato nos transporta diretamente para a sensação de que estamos vivendo um sonho, ou talvez um pesadelo que traz emoções palpáveis e intensas, mesmo quando a tela fica totalmente escura, focando apenas no conteúdo riquíssimo de seus depoimentos.
O filme também nos convida a uma profunda reflexão sobre nossa própria conexão com o passado e a nostalgia que todos carregamos no íntimo. À medida que acompanhamos os personagens, sejam eles humanos ou não, em suas rotinas cotidianas, somos convidados a pensar sobre como o tempo molda nossas vidas e como nossas memórias nos afetam, enquanto somos bombardeados de informações do mundo moderno.
Além disso, o filme abraça o realismo mágico de forma esplendorosa, casando perfeitamente essa abordagem com a mensagem poderosa que o diretor deseja transmitir, especialmente em seus minutos finais.
Através do realismo mágico, Kleber nos leva a questionar a fronteira entre o real e o sobrenatural, ampliando nossa compreensão da narrativa que ultrapassa as barreiras do convencional ao explorar a magia oculta no cotidiano urbano e nos convida a questionar nossa própria existência em um mundo cada vez mais dominado pela artificialidade líquida.
Retratos Fantasmas é mais do que um filme, é uma experiência cinematográfica rica em significado e beleza, sempre buscando nos lembrar que a vida real é cheia de nuances, desafios, alegrias, amores e tristezas. Kleber Mendonça Filho nos presenteia com uma obra-prima que nos faz lembrar que o passado nunca está realmente distante e que as histórias que contamos a nós mesmos são uma parte fundamental de quem somos, nos convidando a continuar explorando as profundezas da nossa própria nostalgia e conexão com o mundo em constante mudança que nos rodeia.
Ele nos força a confrontar a possibilidade de estarmos nos distanciando da experiência humana genuína, buscando refúgio em realidades alternativas e fugindo das complexidades da vida real. Retratos Fantasmas é uma carta de amor, uma biografia, um documentário, uma ficção, mas acima de tudo, é simplesmente MASSA.