Banner 9 março, 2022
por Redação PerifaCon

Red e o dilema de crescimento

A nova animação da Pixar nos encanta trazendo de forma lúdica as questões da puberdade. Que a Pixar é um grande estúdio de animação, ninguém pode questionar; mas apesar da excelente qualidade das animações e das pessoas envolvidas nos projetos, os últimos filmes, por mais belos e inovadores que tenham sido, não me emocionaram como […]

 

A nova animação da Pixar nos encanta trazendo de forma lúdica as questões da puberdade.

Que a Pixar é um grande estúdio de animação, ninguém pode questionar; mas apesar da excelente qualidade das animações e das pessoas envolvidas nos projetos, os últimos filmes, por mais belos e inovadores que tenham sido, não me emocionaram como algumas das animações mais “clássicas”, como Divertidamente e Up, por exemplo.

Com tantos anos de filmes bonitos mas sem o impacto que seus clássicos tiveram, é fácil ir assistir o seu filme mais recente sem grandes expectativas para além da qualidade técnica já consagrada pelo estúdio, e Red: Crescer é uma fera vai pelo mesmo caminho de filmes como Encanto, da Disney, que para uma parte da audiência acaba por não ser tão marcante quanto para o seu público alvo que está representado na tela (Encanto para famílias latinas e Red para famílias asiáticas).

Red traz uma personagem asiática como protagonista, e como durante anos pessoas brancas foram as únicas com representação nas telas, ao observarem personagens não-brancos sendo centrais nos filmes, elas acabam não se engajando nessas narrativas por verem algo diferente da sua própria cultura e identidade. O curioso é que durante boa parte da história do cinema, pessoas não-brancas foram obrigadas a encontrar identificação mesmo em obras com nenhum tipo de representação da sua etnia. E mesmo hoje em dia, que já existem alguns filmes que trazem culturas além da caucasiana, pessoas negras, latinas, asiáticas e indígenas ainda são obrigadas a encontrar um pouco da sua realidade em narrativas totalmente voltadas a um público branco por serem minoria nas telas.

Meilin (Rosalie Chiang) é a nossa protagonista e nos apresenta sua realidade nos primeiros minutos de filme. Uma família asiática que cuida de um templo em Toronto e que deixa bem claro que honrar seus deuses é tão importante quanto honrar seus antepassados. Em pouco tempo de filme a gente conhece a sua história e de como as mulheres da família são uma peça central e importante de quem eles são hoje. Uma família que não centraliza o poder nas mãos dos homens, tendo mulheres como personagens principais de suas histórias, e esse ser o maior orgulho passado entre as gerações, e para Meilin também o maior desafio.

Reprodução Disney+

Apesar dos seus 13 anos, a garota precisa suprir as expectativas da família e performar a ideia de que é perfeita, mas isso segundo o olhar da sua mãe, que não aprova roupas, músicas nem costumes ocidentais. Em meio a isso Meilin tem seus gostos pessoais e seus amigos, todos desaprovados pela família, mas ela os cultiva mesmo assim. E a garota vai seguindo sua vida até que, um dia, depois de ir dormir bastante chateada por conta de um rompante da sua mãe que a faz passar vergonha em frente de conhecidos da escola, Meilin acorda pela manhã como um panda vermelho. Logo ela descobre que é uma característica das mulheres da sua família e após fazer um ritual ela poderá retirar o espírito do panda de dentro do seu corpo para sempre. Enquanto sua família diz que ela precisa controlar seus impulsos e domar a fera que está dentro de si, quanto mais tempo passa com o espírito do panda dentro de si, mais Mei descobre que a fera que assusta sua família, não necessariamente é o monstro que imaginam e na verdade pode ser uma parte muito importante do que forma a sua personalidade.

O filme traz de forma lúdica e com inspirações claramente voltadas para uma ancestralidade asiática, uma metáfora para o período da puberdade feminina. Mei está com 13 anos e começou a ter mudanças no seu corpo e no seu comportamento. Seus desejos também se tornam cada dia menos infantis. O panda que faz parte dela – e que é algo que o filme faz questão de demarcar como uma questão de ancestralidade – também poderia ser uma analogia a época da primeira menstruação e ao momento em que começamos a desejar fazer nossas próprias escolhas sem a autorização e desejo dos pais. A partir do momento que Meilin começa a entender o panda que faz parte dela, também começa a entender que não precisa sempre viver de acordo com os desejos da sua mãe, nem de ninguém.

Reprodução: Disney+

Ming, interpretada pela Sandra Oh, é a figura de uma mãe rígida e centrada, que tem tudo ao seu controle e que puxa Meilin para um caminho de excelência profissional, retrato de como foi sua própria criação e essa é a maior barreira para os novos sentimentos de Mei porque vão contra tudo que sua mãe deseja para seu futuro. Sua criação centrada na excelência estudantil cria uma barreira pessoal entre mãe e filha resultando em uma relação quase sempre profissional entre as duas e isso leva Mei a ter a maior parte do seu afeto projetada em seu grupo de amigas. Abby (Hyein Park), Priya (Maitreyi Ramakrishnan) e Miriam (Ava Morse) são o conforto que Meilin precisa e o espaço onde ela pode ser ela mesma, sem o constante controle da mãe sobre seus gostos musicais, seus interesses pessoais e sua descoberta de sentimentos amorosos e o filme demonstra o quão importante é esse afeto quando pra voltar a forma de garota ela recorre a memórias com suas amigas em vez de com seus pais. Quando Mei descobre que o panda vermelho é algo que todas as mulheres de sua família tem que passar e recebe o consolo, a ajuda e o afago de sua mãe ela encontra nisso a chance de construir uma relação mais pessoal e de vulnerabilidade dentro da sua casa e é essa construção de afeto familiar que cresce com o filme até um momento onde as duas se entendem nas suas diferenças e aprendem a respeitar e conviver com a personalidade uma da outra.

Reprodução Disney+

E interessante como a animação também traz esse afeto tão presente na sua narrativa em forma de nostalgia. Red: Crescer é uma fera se passa em 2002, uma época onde as pessoas não viviam conectadas da mesma forma que hoje. E as demonstrações de carinho existiam de formas bem mais “analógicas” do que hoje em dia. Amigos se comunicavam na escola através de bilhetinhos, não pelo whatsapp; também compilavam músicas e colocavam em CDs e presenteavam quem gostavam. E o filme traz tudo isso. Então, além de ser fofo ver os personagens demonstrando carinho sem mensagens de celular, para quem foi criança ou adolescente em 2002, observar esses detalhes traz toda uma memória afetiva do que era a vida no início dos anos 2000. 

Texto feito por Carissa Vieira e Rodrigo Bastos.