Colunas: Cultura 30 maio, 2025
por Redação PerifaCon

Perifacon destaca Cosplay como ferramenta de resistência em ensaio nas periferias de SP

Às vésperas da 5ª edição do evento, a maior convenção nerd das favelas fotografa artistas de quebrada que interpretam personagens do universo geek

 

Por  Sandra Vasconcelos (@sandrinh4) e Vitor Henrique (@jornalismo_geek)

Numa quebrada da Zona Leste, a magia do universo geek se mistura com a força da cultura periférica. É nas ruas da Cidade Tiradentes que surge o Ensaio Cosplay de Quebrada, uma ação que antecede a 5ª edição da PerifaCon, a maior convenção nerd das favelas. Mais do que um ensaio fotográfico, o projeto transforma o ato de se vestir como personagens fictícios em um gesto de afirmação estética, ancestralidade e resistência. Mas, antes de embarcarmos nesse assunto, é preciso entender do que se trata o universo dos cosplayers. 

Popularizado no Japão, durante a década de 1970, o cosplay consiste em se vestir de um determinado personagem, sendo ele de filmes, séries, jogos, quadrinhos ou até livros, como uma forma de fantasia e criatividade, mas também de expressão.  O praticante assume as características físicas e os trejeitos do personagem — escolha normalmente carregada de alguma identificação com a vivência daquela figura.

Devido ao seu crescimento nos últimos anos, a cultura geek deixou de ser exclusiva dos grandes centros e começou a se espalhar para as bordas periféricas, e o cosplay acompanhou esse movimento. A PerifaCon, maior convenção nerd das favelas, é um forte exemplo.

Na última edição, em 2024, a feira recebeu mais de 15 mil pessoas ao longo dos dois dias de evento, evidenciando que a juventude periférica se interessa por games, cinema, quadrinhos e cosplay para além do consumo: como uma forma real de expressão e resistência.

“É o meu evento favorito, fico encantado em como me sinto conectado com o mesmo. É fundamental essa comic con da perifa, esse primeiro evento nerd das favelas” 

Bruno (Homem-Aranha NBA) 

“(…) A Perifa ter começado com um evento assim, de fato, foi um ato revolucionário, porque, cada ano, atingir uma comunidade, atingir uma periferia. Então, eu acho isso, sério, maravilhoso!”

Caroline Andrade (Moana) 

“E a Perifacon dá muita oportunidade para quem quer, sabe? Por meio de editais, palestras…”

Gildecy Raquel (Chapeleiro Maluco)

Cidade Tiradentes, bairro que abriga o ensaio, é outro exemplo de como a juventude periférica se mantém conectada.  A região forma o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina, tendo mais de 50% da população composta por mulheres na faixa etária média de 32 anos. Desde 2004, a população utiliza os espaços de lazer e arte da região, como o Centro Cultural Cidade Tiradentes — que cedeu os espaços para os artistas se caracterizarem durante o Ensaio Cosplay de Quebrada.

Longe de Nova York e Gotham City, entre lajes, escadões e vielas, cosplayers periféricos reinventam a fantasia com a missão de unir visibilidade e pertencimento, transformando a quebrada num cenário recheado de heróis, no qual cada figurino carrega uma história de força, criatividade, afeto e muita luta por recursos.

Cosplay de quebrada

Encontrar o seu “lugar no mundo” já é difícil, mas isso se intensifica ainda mais  para as pessoas, com destaque para os artistas, que moram em áreas afastadas dos grandes centros urbanos, e é justamente nessa questão que a cultura geek encontra seu espaço. 

“É uma forma de fugir um pouco da realidade, de se deixar levar no mundo lúdico, de brincar com outras pessoas que gostam das mesmas coisas. Por muito tempo, eu tive vontade de participar de eventos, mas não tinha condições para isso, já cheguei a ouvir de minha mãe que esse não é o nosso mundo. O cosplay me serviu como apoio para lidar com certos problemas na vida” 

Gabriel Paixão (Enrico Pucci – Jojos Bizarre Adventure)

Gabriel Paixão posa de Pucci, do Jojo Bizarre Aventure, em ensaio da Perifacon em SP | Foto: Danilo Costa (@Danilo.costafotografia)

A diferença é que, no contexto periférico, ela (a cultura geek) vem carregada de simbolismos ainda mais impactantes, que ficam visíveis por meio dos cosplays. Quando fantasiados, os artistas buscam trazer originalidade e criatividade de maneira que aquele personagem passe a pertencê-los.

Esses são elementos que tornam únicos esses cosplays criados por artistas de quebrada. Eles investem na customização e, com isso, conseguem atrair por vezes mais olhares do que outros, mais caros. Isso quem nos conta é Bruno, jovem de 26 anos e um dos participantes do ensaio.

“Comprei um cosplay do Miles Morales por 100 reais, todo ferrado. Eu estava com um antigo que fazia a versão do Peter Parker, do Andrew Garfield, do filme Espetacular Homem-Aranha, e o mais engraçado é que o pessoal preferiu o meu de 100 reais do que o dele, que custou mil. Isso foi muito significativo por ser um Homem-Aranha negro ali, encantando a galera” 

Bruno (Homem-Aranha NBA) 

Homem-Aranha NBA, cosplay autoral de Bruno (Filo), lendo gibi num escadão da Cidade Tiradentes | Foto: Danilo Costa (@Danilo.costafotografia)

Com isso, podemos entender que a identidade periférica também é nerd, se expressando por meio dessas fantasias. Personagens como Miles Morales e Super Choque fazem sucesso entre esse público justamente pela identificação com os dilemas que esses heróis passam, como as diferenças sociais, o racismo e o sentimento de pertencimento.

Dessa forma, os artistas usam seus personagens para conseguir lidar internamente com os problemas do dia a dia, pensando em como aquela figura se portaria diante das situações que a vida os coloca. 

O cosplay se relaciona com a cultura periférica de maneira muito empoderadora, você se sente um herói urbano capaz de lidar com os problemas, apesar serem muitos, você se capacita internamente para lidar com muitas outras coisas da realidade

Bruno (Homem-Aranha NBA) 

Próximo à CT vive o cosplayer, músico e ator Gildecy Raquel, integrante do Ensaio Cosplay de Quebrada. De 2017 para cá, o artista interpretou mais de vinte e cinco personagens. Ele comenta sobre a importância cultural e social de frequentar feiras geeks gratuitas nas periferias. 

“(…) Muitas vezes, você pode achar  que R$50, R$60 de entrada não é muito. Pode não ser muito para você, mas para o outro é. Então, quanto mais eventos gratuitos tiverem para ajudar o pessoal a conhecer mais sobre essa cultura (geek), melhor”.

Gildecy Raquel (Chapeleiro Maluco)

Montar um cosplay, na maioria das vezes, custa caro. Por isso, os artistas precisam buscar alternativas para criar o personagem. Brechós e comércios locais se tornam os escolhidos para aqueles que não tem muito dinheiro para investir em um traje. Esse é o caso do Gildecy, que escolheu o seu cosplay de Chapeleiro Maluco para o ensaio. 

“O Chapeleiro tem uma inocência dele, mas também quando precisa resolver as coisas ele resolve, sabe? Do jeito atrapalhadão dele. (…) Uma curiosidade: com exceção da cartola e do tênis, ali é tudo brechó. Eu  fui adaptando as peças que encontrei por lá”.

Gildecy Raquel (Chapeleiro maluco)

Gildecy posa de Chapeleiro Maluco em ensaio da Perifacon | Danilo Costa (@Danilo.costafotografia)

O impacto que isso causa, vai além dos cosplayers, já que as pessoas ao redor também ficam encantadas com os visuais, principalmente quando se trata das crianças, isso fica nítido nos olhares e assim esses artistas se tornam inspiração para as novas gerações. 

“E as crianças ficam encantadas, né?! Porque elas não estão acostumadas a ver isso onde elas moram. Você via o brilho no olho das crianças, quando elas viam um monte de personagem passando na rua (durante o ensaio). Para elas é algo do tipo: ‘caramba, a Moana tá passando na minha rua, sabe?!’”.

Gildecy Raquel (Chapeleiro maluco)

Capitão América Sam Wilson (Marvel), cosplay de José Dames, abraçando criança moradora da Cidade Tiradentes
| Foto: Jennyfer Nunes (@_jennyfer.nunes)

A personagem citada por Gildecy foi a escolhida por Caroline Andrade, de 30 anos, para a sessão de fotos na Cidade Tiradentes. A conexão da ex-moradora do bairro Cachoeirinha com a persona da Disney transcende o cosplay: é algo identitário e ancestral — assim como todos os outros cosplays que ela têm.

“(…) Quando criança, eu via poucas princesas negras nos eventos, fazendo personagens negros, sendo super-heróis, o anime ou o que fosse… E eu sentia falta daquilo, das crianças também se sentirem representadas e vistas naquele personagem. (…) Eu amo a personagem. Na minha casa tem diversas coisas da Moana, desde bolsa, chinelo, bonecas, action figure, CD, quadro, capa de celular (…) a história da Moana, do povo, a resiliência dela, quando busca mais sobre sua ancestralidade…”.

Caroline Andrade (Moana) 

Caroline Andrade durante o ensaio Cosplay de Quebrada, com seu cosplay de Moana, personagem da Disney
| Foto: Bárbara Jadeh (@barbara.jadeh)

5 anos de Perifacon

Cada costura do traje do Chapeleiro Maluco, cada criança encantada com a Moana negra em sua rua, e cada herói que desafia estereótipos comprovam: na periferia, o cosplay é mais que fantasia, é linguagem de resistência que se conecta ancestralidade e reescreve regras.

A PerifaCon não é somente um evento, mas um movimento que reescreve a narrativa geek a partir da quebrada. Ao levar heróis, princesas e vilões para as ruas de Cidade Tiradentes e outras periferias, a convenção prova que a favela é muita coisa, inclusive nerd. 

“Figuras marcantes da minha vida jovem geek e periférico estavam na PerifaCon e são com certeza uma prova do impacto da mesma (…) mesmo se não existissem as mesmas é um evento que iria potencializar a favela, a perifa,o impacto é real e está sendo cada vez mais crescente”

Bruno (Homem-Aranha NBA)

Longe dos holofotes dos grandes centros, a maior convenção das favelas constrói um universo onde a periferia não só consome, mas dita as regras do jogo. E, de quebra, mostra que a magia mais poderosa é aquela que transforma a realidade.

Na cidade de São Paulo, onde a cultura ainda é elitizada, a PerifaCon tem a missão de mostrar que a cultura nerd é uma forma de resistência, trazendo os holofotes para aqueles que muitas vezes são invisíveis aos olhos dos grandes eventos. É uma forma de acrescentar ainda mais força para a luta diárias dessas pessoas;

É por isso que convidamos você, caro leitor, a estar conosco nos dias 26 e 27 de julho para a 5º edição da PerifaCon, na fábrica de cultura Jardim São Luís, com o objetivo de mostrarmos juntos que a favela também é nerd.

Serviço

PerifaCon – 5ª Edição

Data: 26 e 27 de julho de 2025
Local: Fábrica de Cultura Jardim São Luís – R. Antônio Ramos Rosa, 651.
Quanto? Gratuito.
Mais detalhes no site oficial da Perifacon.

Ficha Técnica

Direção Criativa
Andreza Delgado

Comunicação & Estratégia 

Ana Beatriz de Souza Assis @biazoly
Brendon Nunes @Valentimbrnd
Renato Ribeiro @Renatomaster_ifc
Caio Mariano @caiomariano_
Vitor Henrique @jornalismo_geek
Sandra Vasconcelos @sandrinh4 

Fotografia 

Bruna Careli @brucareli
Jennyfer Nunes @_jennyfer.nunes
Danilo Costa @Danilo.costafotografia
Hiago Bezerra @hiago_bezerra 
Bárbara Jadeh @barbara.jadeh

Tratamento de Imagem

Danilo Costa @Danilo.costafotografia
David Santana @David.ss2

Produção

Val Felix @namoradanerd
Renan Willian Ren Donatelo @renanwilliandonatelo

Cosplayers

Bruno (Filo) – Homem-Aranha NBA (Autoral) @versezandooo 
Anna – Estelar Jovens Titãns (DC) Hinna Moura @hinna_moura
Jean Luz – Superman (DC) Darth Maul @darthmaulcosplay
Mariana Jáde – Recluse (Elden Ring Nightreign) @eumarianajade_
Gildecy Rachel – Chapeleiro Maluco (Alice no País das Maravilhas) @gildecy_rachel
Juliana – Seu Siriguejo (Bob Esponja) Juju ZL @bondedajuju
Gabriel Paixão – Pucci (Jojo Bizarre Aventure) @khallifornio_cj
José Luís Araújo Dames – Capitão América Sam Wilson (Marvel) @zecadames.cosplay
Marcia Alves – Capitã Carter (Marvel) @ma.anasazi
Patti Maionese⁩ – Ranger Amarela Aisha Campbell (Power Rangers) @patti.maionese
Caroline Andrade – Moana (Disney) @andrade___carol
Lapoph – Raze (Valorant) @_lapoph
Juliana Andrade – Sirigueijo @bondedajuju

AGRADECIMENTO ESPECIAL AO CENTRO CULTURAL CIDADE TIRADENTES