Banner 29 junho, 2022
por Redação PerifaCon

Onde estão as lan houses: A periferia e o acesso à internet no Brasil

Novo vídeo do Favela Business investiga a importância das lan houses para as periferias As lan houses fazem parte da cultura brasileira há mais tempo do que você imagina. O conceito surgiu em 1995 nos Estados Unidos e se popularizou na Coréia do Sul como um espaço para que os gamers pudessem jogar vídeo game […]

 

Novo vídeo do Favela Business investiga a importância das lan houses para as periferias

As lan houses fazem parte da cultura brasileira há mais tempo do que você imagina. O conceito surgiu em 1995 nos Estados Unidos e se popularizou na Coréia do Sul como um espaço para que os gamers pudessem jogar vídeo game na companhia de amigos mas só foi chegar ao Brasil em 1998, com a Monkey Paulista em São Paulo, que encerrou suas atividades em 2010.

Embora tenha começado como um espaço para gamers, no Brasil a lan house sempre representou um serviço de utilidade pública para uma parte da população que não possui acesso a internet em casa. Segundo dados do CETIC, em 2007 (ano em que o uso de internet através das lan houses se tornou maior do que o uso residencial) somente 24% dos brasileiros tinha um computador em casa, enquanto somente 17% possuíam conexão com a internet.

Conforme os anos passavam e a internet se desenvolvia não apenas como mais uma função de um computador mas também como uma parte integral da sociedade, seja para lazer ou para trabalho, a demanda pelas lojas crescia a ponto de que não havia concorrência entre as dezenas de lan houses espalhadas pelos bairros do Brasil.

“Tinha muita lan house. Toda esquina tinha uma, lá mesmo [Parque Santo Amaro] tinha dez. Não tinha muita concorrência, era muita gente porque era novidade. Foi um boom. Era tanta novidade que a gente virava a noite aberto, pegava das nove da manhã até as duas, três, quatro da manhã”

É o que diz Ocian, de 43 anos, que trabalha com lan house desde 2006, tendo aberto a primeira no Parque Santo Amaro no distrito Jardim Ângela, região periférica da cidade de São Paulo. O novo vídeo do canal Favela Business, Onde Estão as Lan houses?, busca entender a história e a importância das lan houses no Brasil através da entrevista com Ocian, que acompanha a trajetória e desenvolvimento desse tipo de estabelecimento desde o seu auge, com os jogos.

Segundo o empreendedor, as febres eram o Counter Strike, GTA e Mu Online,que já existiam na época.

Counter Strike, particularmente, pode ser considerado o primeiro marco da história dos esportes eletrônicos no Brasil, já que foi o primeiro jogo de FPS a mobilizar e unir tantas pessoas em um nível frenético como era nas lan houses – tanto que os primeiros campeonatos de CS no Brasil foram organizados justamente por frequentadores (e pelo fundador) da primeira lan house brasileira, a Monkey. Vale lembrar que hoje o cenário de e-sports ainda tem o Counter Strike como figura de destaque mas desta vez com a versão CS: GO, que possui mais de 21 milhões de jogadores ativos por mês. 

Reprodução: Jef Delgado

No vídeo, Ocian afirma que até hoje Counter Strike e GTA são febre e nunca pararam de  ser procurados pelos jogadores, enquanto Mu Online foi substituído pelo League of Legends. A evolução dos jogos definitivamente é um elemento que exige um pouco de esforço da parte das lan houses, já que os jogos de sucesso da atualidade requerem conexões mais estáveis e computadores mais potentes do que os “de tubão” que o empreendedor afirma ter usado em sua primeira loja. Sobre os perrengues com equipamentos, peças e a inevitável evolução das máquinas, Ocian conta um pouco das formas que encontrava para driblar essas adversidades:

“Nesse caso, a gente pega duas e faz uma (risos). Pega peça de uma, põe na outra. Compra uma peça, melhora a memória. Em um ano a gente comprava monitores melhores, no outro as CPUs, no outro memória, placa de vídeo…até chegar os tempos atuais.”

O vídeo do Favela Business com Ocian busca também trazer um recorte específico sobre as dificuldades envolvidas em manter esse tipo de negócio na periferia.

De acordo com o empreendedor, quando ele começou, em 2006, a rua era de terra, “uma lameira”, com ladeira. E não era a localização o único imprevisto para quem buscasse se conectar a internet na época, mas sim a conexão em si, já que o próprio Ocian precisou instalar uma antena para puxar internet para o bairro, que na época não recebia atendimento de nenhuma operadora de internet.

“Aqui não tinha internet. Pra conseguir internet aqui eu tive que fazer um link via antena, pela laje. Tudo por conta própria [sem ajuda das operadoras]”

Embora os jogos online representem grande parte do interesse dos clientes em lan houses, ainda existe uma parte da sociedade que busca o empreendimento para a realização de serviços essenciais. Ocian conta no vídeo que costuma fazer parte de todo um ciclo empregatício de moradores do bairro que não tem computador ou internet em casa (ou até tem, mas não sabem como usar): o cidadão vai fazer currículo na lan house, arruma um emprego e depois que é mandado embora volta no local para tirar xerox de documentos para dar entrada no seguro-desemprego. 

Reprodução: Jef Delgado

O empreendedor diz que é por isso que até hoje não parou. Com a digitalização da sociedade, onde tudo precisa ser confirmado e validado de forma online, uma parte da população é excluída digitalmente por não ter acesso as ferramentas necessárias para procedimentos como acessos bancários, fazer transferências de automóveis, entradas de FGTS e diversos outros serviços. Embora 82,7% dos domicílios brasileiros possuam conexão com a internet (dados de 2019), a necessidade de lan houses nas periferias e favelas é provada por pesquisas que indicam que só 20% das residências em favelas possuem computador em casa. Mesmo que o uso da internet seja por celulares, 43% das favelas brasileiras possuem conexões ruins que impedem a população de realizar processos simples como o acesso à redes sociais, aplicativos de bancos ou até mesmo de serem ativos em seus empregos, caso estejam em home-office.

Por mais que hoje a internet seja de mais fácil acesso para muitas pessoas, o que às vezes preocupa Ocian a respeito de seu negócio, o comerciante afirma que se sente importante e foca em prestar serviços para ajudar a população sem acesso a internet, e por isso não parou até então:


“Não tem como fechar as lan houses. Se as lan houses fecharem, o poder público vai ter que dar um jeito de atender a população de outra forma”

A entrevista completa foi publicada no canal Favela Business na tarde desta terça-feira (28/06) e pode ser vista aqui: