por Redação PerifaCon
O esplendoroso mundo de Bella em “Pobres Criaturas”
Com 11 indicações ao Oscar 2024, embarque na jornada de Bella para redescobrir o mundo como se fosse a primeira vez em uma aventura de exploração sincera de autodescobrimento
Texto por: Hyader Epaminondas
“Pobres Criaturas” é como uma profunda exploração da psique humana, revelando a notável competência de Yorgos Lanthimos na construção de narrativas enigmáticas. O filme simbolicamente coloca o diretor no papel de criador, nos transportando em uma jornada quase que interativa rumo à liberdade, permeada pelo conhecimento e autodescoberta. Em vez de ser apreciado em pequenas porções, este filme deve ser degustado com a voracidade da própria vida, proporcionando uma imersão completa na complexidade do ser humano.
A trama é desenvolvida em camadas densas e profundas, onde uma única visualização revela apenas um aperitivo diante da riqueza narrativa. Yorgos aborda diversos temas de maneira objetiva e incisiva, desafiando a capacidade de representação total com palavras. Esta obra-prima não apenas sintetiza, mas eleva a filmografia do diretor, apesar das múltiplas referências a trabalhos anteriores, destacando-se como uma produção única e singular dentro de sua filmografia fora da curva.
A linguagem cinematográfica distintiva de Yorgos Lanthimos se destaca pela frieza e distanciamento emocional que permeiam suas obras. A meticulosa direção de atores, caracterizada por performances explosivas, ressoa de maneira singular, adaptando-se às demandas variáveis das situações, criando uma sinergia notável tanto entre os atores quanto com seus personagens retratados. Essa abordagem intensifica a atmosfera surrealista e absurda que transita na narrativa.
O uso frequente de enquadramentos simétricos e planos fixos na cinematografia de Lanthimos desencadeia uma experiência única, quase como se entrássemos numa montanha russa onde as subidas e descidas são apreciadas com uma lentidão imersa em vertigem. Esses elementos contribuem para gerar desconforto e uma sensação de alienação, enquanto simultaneamente projetam uma liberdade aparentemente absoluta.
Notavelmente, o diretor manipula truques de perspectiva imersiva e teatral, fazendo com que os cenários aparentemente controlados ganhem uma dimensão imensa na tela. Esta escolha não apenas destaca a técnica de Lanthimos, mas também reforça a natureza claustrofóbica do ambiente que envolve os personagens dentro e fora de seus corpos.
As escolhas estéticas do filme, especialmente na paleta de cores cuidadosamente selecionada, variam entre tons opacos e vibrantes, não apenas sendo visualmente atraentes, mas também refletindo os sentimentos da protagonista. Cada cor parece escolhida meticulosamente para transmitir emoções específicas, criando uma experiência visual envolvente que mergulha nas nuances psicológicas da narrativa. A trilha sonora do filme desempenha um papel crucial na amplificação da imersão.
A utilização incrível de sons agudos e graves, rápidos e lentos, reproduzindo com naturalidade sons projetados por instrumentos musicais individuais contribui para a atmosfera crua e intensa da obra. Essa variação não é apenas estilística, mas uma ferramenta narrativa que reflete os dilemas internos da protagonista. A ausência de uma trilha sonora tradicional, em favor de uma abordagem mais reflexiva e conectada com a trama, eleva a experiência auditiva, quase como se estivéssemos assistindo a um filme mudo, sendo guiados apenas pela música, que por si só, já conta uma belíssima história de amor.
O estilo distintivo de Lanthimos se manifesta na escolha de diálogos peculiarmente diretos e objetivos. Os diálogos minimalistas e estilizados acentuam a estranheza das interações entre os personagens, adicionando uma camada adicional de complexidade à narrativa. Essa abordagem única proporciona uma experiência em prol da originalidade e impacto emocional.
Emma Stone, ao incorporar de maneira multifacetada a personagem Bella Baxter, personifica com uma beleza excepcional ingenuidade de um bebe com a jornada de amadurecimento da protagonista, ultrapassando seus próprios limites e enfrentando temores de maneira envolvente. O diretor, reconhecido por sua abordagem distintamente única e ousada, idealiza o filme para desafiar convenções e explorar as profundezas da psique humana, entrelaçadas com metáforas complexas e diálogos perspicazes.
As metáforas eloquentes e discursos cínicos utilizados por Yorgos não apenas enriquecem a narrativa, mas também funcionam como poderosos instrumentos para expressar simbolicamente as complexidades humanas, desafiando assim a percepção convencional da realidade. Ao explorar a pulsão de vida e de morte, conceitos fundamentais na teoria freudiana, Yorgos tece uma trama intrincada onde tais elementos se entrelaçam nos comportamentos dos personagens, revelando de maneira profunda suas motivações e conflitos internos.
O núcleo do filme adiciona uma camada fascinante, principalmente quando se analisam suas implicações nas dinâmicas sexuais apresentadas. Em especial, a dissertação quase científica sobre a masculinidade frágil, interpretada de maneira brilhante pelo personagem de Mark Ruffalo. Este elemento não só opera na linha da hilaridade, mas também oferece uma crítica impecável sobre a misoginia, proporcionando uma perspectiva reflexiva e penetrante sobre as questões de gênero, mas também serve como uma ferramenta eficaz para desafiar as normas preestabelecidas, especialmente quando se trata das complexas interações entre vida, morte, sexualidade e as percepções de masculinidade na sociedade contemporânea.
Cada peça do filme está meticulosamente integrada, carregando consigo um significado que se desenvolve nos detalhes mais sutis, em sintonia com o amadurecimento de Bela. É como se cada local que ela visita se transformasse em uma representação do que precisa aprender ou do que já foi compreendido e merece ser simbolizado.
A verdadeira beleza de Bela reside na maneira como seu mundo, antes um quadro em branco, se preenche em tempo real com experiências, aventuras e explorações presentes no simples e corajoso ato de viver. São perceptíveis as mudanças sutis na personagem, com seus trejeitos e expressões evoluindo de maneira natural, sempre em constante estado de aprimoramento com o passar do tempo, sem as barreiras impostas por preconceitos ou dilemas morais.
“Pobres Criaturas” é um excelente filme que constantemente tece uma trama intrincada de conflitos ideológicos, utilizando metáforas e discursos cínicos sem temer a complexidade. Os personagens, cuidadosamente delineados, atuam como veículos para a transmissão de mensagens coesas e explícitas, explorando temas fundamentais. Confrontos ideológicos emergem como elementos essenciais na narrativa, abordando questões sociais, políticas ou filosóficas que provocam reflexões profundas, sendo assim, um clássico instantâneo da filmografia de Yorgos Lanthimos.