Colunas 29 novembro, 2023
por Redação PerifaCon

“Falas Negras: Histórias (Im)Possíveis”: o chamado por uma mudança profunda e por novas perspectivas no imaginário coletivo

Empoderamento, Resiliência e Inclusão: A reinterpretação da frase “Fogo Nos Racistas”

 

Texto por: Hyader

Falas Negras: Histórias (Im)Possíveis“, é o especial de televisão que encerra a antologia, “Histórias (Im)Possíveis”, é um projeto coletivo dirigido artisticamente por Luisa Lima, sob a direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fábio Rodrigo, com o texto elaborado pelo trio formado por Jaqueline Souza, Renata Martins e Grace Passô.

O suspense vai ganhando forma de forma gradual dissertando sobre o paradoxo do salvador branco, não apenas criticando a utilização de narrativas estereotipadas, mas também expondo os bastidores da indústria, onde produtores exploram narrativas em busca do lucro da diversidade sem nenhuma preocupação com seu valor social.

Com uma paleta de cores escuras sempre banhadas com uma luz amarela ao fundo, as cores eletrizantes simulam a escuridão de um vasto oceano, com elementos de terror psicológico com sátira social se mesclando harmoniosamente, criando um ambiente visualmente impactante: um roxo alaranjado místico que, paradoxalmente, ambienta a serenidade e a inquietante atmosfera do episódio.

A força da narrativa emerge da perspectiva visceral de uma roteirista negra, cuja presença metalinguística na história como criadora e roteirista do projeto se destaca. A atuação marcante de Grace Passô no papel de Janaina, a última integrante de um time composto exclusivamente por realizadores brancos, adiciona camadas de mistério à trama, afinal, assim como o público, ela cai de paraquedas nessa dinâmica carregada de tensão.

Essa representação evidente das discrepâncias dentro da indústria do entretenimento, e normalizado por toda sociedade, ressoa como um eco para as discussões sobre os estereótipos enraizados no cenário audiovisual desde sua criação, sublinhando a urgência de uma abordagem consciente sobre questões raciais, desafiando ativamente as normas estabelecidas e defendendo a necessidade de uma indústria mais inclusiva, diversificada e plural.

A intenção é clara: desfazer estereótipos vazios de significado, desenvolver novas narrativas que deem vida a personagens inovadores, possibilitando a disseminação de novas formas de imaginação. É fundamental estabelecer um espaço no qual cada indivíduo possa vislumbrar e explorar suas próprias perspectivas de futuro, sem ficar preso aos estereótipos ultrapassados do século passado. A crítica do especial se concentra na consciência do poder de influência que um personagem pode exercer na vida de uma pessoa, utilizando esse ponto como base para construir sua argumentação.

Sob a liderança inabalável da brilhante Neusa Borges, cujo olhar ardente e penetrante, como brasas acesas, denota uma convicção impenetrável. Seus olhos, cheios de determinação, destacam de forma decisiva a questão da invisibilidade e do silenciamento das narrativas que desumanizam o indivíduo.

A habilidade dela em transmitir tanto através do olhar é avassaladora, combinando perfeitamente com o humor ácido do talentoso Leandro Firmino, resultando em uma cena extraordinariamente marcante nos debates sobre a responsabilidade de Janaína ao se envolver no projeto. Os personagens desafiam de forma incisiva os limites impostos, permitindo uma expansão e um amadurecimento para além das limitações dos papéis predefinidos. Esta abordagem meticulosa desmantela os estereótipos ao empregar representações simbólicas que transcenderam as meras aparências superficiais.

Essa performance não se restringe a apenas explicar as motivações dos personagens, ela cria um cenário surreal no qual os estereótipos são habilmente desconstruídos. Ao usar figuras que representam estereótipos conhecidos, a apresentação convida o público a refletir sobre como esses padrões tentam minar nossas identidades, nos reduzindo a clichês através de representações simplistas e inflexíveis.

É um grito de protesto, uma declaração robusta que marca o fim desse ciclo prejudicial, o qual perpetua estereótipos limitadores. A performance desafia ativamente a noção de que somos definidos por rótulos superficiais, oferecendo uma narrativa poderosa que busca desmantelar essas caricaturas, promovendo uma reflexão profunda sobre a complexidade e a riqueza de nossas identidades plurais.

O surrealismo mágico brasileiro é o veículo utilizado com perfeição pelos realizadores para expressar suas ideologias políticas. Eles o fazem através dos diálogos de seus personagens no Engenho De Estereótipos, ecoando um clamor por identidade e destacando como uma voz plural, necessária e representativa.

De forma metafórica a frase “Fogo Nos Racistas!” ecoa como uma chamada durante todo o episódio para extinguir essas práticas discriminatórias enraizadas na indústria do entretenimento e na sociedade em geral, defendendo uma representação justa, autêntica e inclusiva para todos, independentemente de sua origem ou cor de pele. É através da materialização simbólica dessa frase incisiva que o especial se torna um veículo poderoso para desafiar as normas estabelecidas e confrontar as estruturas que perpetuam o racismo e o discurso de ódio como um todo.

O enceramento em sintonia a melodia de “A Promessa do Sol” de Milton Nascimento ressoa de forma excepcional no especial, elevando liberdade acima da prisão imposta pelos estereótipos, entrelaçando esses temas necessários de maneira coesa na trama, criando um ambiente desconfortável que desafia expectativas e provoca reflexões profundas. A metáfora da promessa do sol transcende como uma esperança constante, uma luz radiante no fim do túnel, uma promessa de que a mudança e a libertação são possíveis, mesmo diante de situações desafiadoras ou limitadoras.

A metalinguagem presente na série se revela verdadeiramente mágica, constituindo um desabafo poético e uma mensagem de empoderamento carregada de esperança. Sua ressonância comparável a um aplauso coletivo ecoa como uma promessa de transformação e renovação, inspirando uma sensação de otimismo e renascimento.

Falas Negras” é uma celebração de identidade, que instiga a urgência do desenvolvimento de um senso crítico aguçado em relação ao caminho que estamos trilhando. Assim como Janaína, através de nossas ações, querendo ou não, somos responsáveis pela construção de um imaginário coletivo que se constitua na pluralidade.