Banner 21 julho, 2023
por Redação PerifaCon

Barbies negras e a reconexão com a autoestima da mulher preta

Um bate-papo com Rafaele Breves, colecionadora de bonecas negras.

 

O tão aguardado filme da Barbie já estreou e está em exibição nos cinemas e com toda certeza é um dos filmes mais aguardados do ano. 

É muito claro que a Barbie é uma boneca que fez parte da vida de muitas pessoas. Quem não queria ter uma boneca Barbie? Desde a icônica caixa rosa, os acessórios, a qualidade e todo o mundo “cor-de-rosa”, ter uma Barbie era o sonho de toda menina, e também meninos, se é que vocês me entendem. 

“Eu sempre fui uma menina que adorava brincar de Barbie. Adorava brincar sozinha e criar histórias. Porém, eu sempre brinquei com bonecas que não se pareciam comigo. Todas elas eram loiras, magras, cabelos lisos e olhos claros.” 

Rafaele Breves nasceu em Tatuí, uma cidade pequena do Interior de São Paulo com 110 mil habitantes. Filha da Dona Claudete, ex-empregada doméstica e do seu Eurides, que trabalha como carpinteiro, ela é a filha mais nova de três irmãos. 

Rafaele também é a primeira de sua família a ingressar na faculdade e é formada em Jornalismo, além de também ter feito teatro. Ela é professora de Capoeira e já deu aula para crianças em vulnerabilidade social em regiões periféricas da cidade. 

A conexão de Rafaele com as Barbies vem desde criança, embora brincava com bonecas que não se pareciam fisicamente com ela, e isso fez com que Rafaele achasse que para ser uma Barbie ela teria que ser daquele jeito: 

 Indiretamente eu dizia pra mim que eu não poderia ser uma Barbie porque eu não me parecia com aquele elemento. Mesmo assim eu sonhava em ter a casa da Barbie, acessórios e etc. Eu me projetava na Barbie, em querer ter o que a boneca tinha.

Rafaele diz que quando criança não entendia a problemática de não brincar com um elemento que não se parecia com ela. Assim como toda menina negra, ela também teve problemas com cabelo, cor de pele, nariz e boca. Todas essas questões devido a não ter referências e representatividade em brincadeiras infantis. 

Ela diz que na adolescência parou de brincar de bonecas, e quando doou as que ela tinha, ela quis ficar apenas com a boneca da Mel B, integrante do grupo Spice Girls, um grande sucesso do final dos anos 90. Rafaele diz que em 2017 ela foi em um shopping e encontrou uma boneca negra, mas ficou pensando se compraria ou não:

Minha mãe é uma grande incentivadora, ela me incentivou a comprar a boneca. Eu saí com duas Barbies Fashionistas, uma linha da Mattel que pensa em diversidade. A partir dessas duas bonecas eu comecei a pesquisar e vi que tinham outras bonecas. Comecei a comprar uma outra e me abriu um portal de colecionadores adultos. Não sabia que existia e que era possível colecionar bonecas sendo uma pessoa adulta.

 A colecionadora diz que começou a entrar em diversos grupos de Facebook para saber como comprar as bonecas e que desde o começo seu objetivo era colecionar bonecas negras. 

Se antes eu só podia brincar com barbies brancas, eu mais velha, tendo meu dinheiro e podendo ter escolha e entendendo a importância da representatividade, eu fiz uma decisão muito clara para a minha coleção que é ter só bonecas negras.

Conforme a coleção aumentava, ela recebia muitas perguntas de amigos e familiares sobre como conseguir a boneca e outras curiosidades. Durante a pandemia, ela resolveu criar um canal no Youtube para falar sobre a coleção, querendo não apenas falar das bonecas, mas também trazer curiosidades históricas sobre elas. 

Rafaele diz que em 2022, através de um edital cultural de sua cidade, ela teve a ideia de fazer uma exposição de sua coleção. A exposição foi exposta no Museu da cidade, com o intuito de que pessoas parecidas com ela se sentissem à vontade e interessadas a ver a coleção: 

Queria que elas se vissem através das bonecas, coisas que são difíceis em museus no interior de São Paulo. Eu fiz a exposição no Mês da Mulher e levei 60 bonecas, sendo a maior exposição que o museu já recebeu.

Ela diz que recebeu diversos relatos de adultos, crianças e escolas sobre a exposição. Ela diz que a partir daí viu que não faria mais sentido ter a coleção apenas no seu quarto, e que queria levar a coleção para outros lugares. 

Quando eu vou fazer uma palestra, eu quero abrir uma discussão para que elas contem sobre suas experiências com bonecas, para entender essa problemática sobre o motivo delas não chegarem às pessoas e como é importante uma criança ter esse elemento lúdico para brincadeira, já que ela espelha a própria realidade.

Rafaele fala que as bonecas negras despertam até a curiosidade de crianças brancas, que perguntam sobre o cabelo, cor de pele e outras características de pessoas negras. 

Se elas enxergam beleza na Barbie, elas enxergam beleza no cabelo da coleguinha e serão crianças melhores e menos racistas.

Mesmo mostrando sua coleção na internet e criando conteúdos a partir delas, Rafaele diz vez ou outra aparecem comentários de pessoas que acham um absurdo ter uma coleção de bonecas, já que existem pessoas que não tem dinheiro ou que estão em situação de rua. 

Eu sempre paro para refletir sobre, mas também trago outras reflexões sobre outras bonecas negras, não apenas a Barbie. Se estamos falando de representatividade, esse elemento pode ser de qualquer boneca, desde a de pano até outros tipos de brincadeira.

Rafaele diz que ficou muito feliz quando comprou a tão sonhada casa da barbie, que é quase o sonho de todo mundo ter: 

Quando essa casinha chegou eu nunca estive tão feliz. Esse elemento fez com que eu pudesse quase que passar por uma terapia. Comprar a casa da Barbie ou uma boneca negra é uma sessão de terapia pra mim, em poder me enxergar em algo que eu amo.

Ela diz que colecionar a Barbie também fez com que ela gostasse muito mais de si, se fortalecendo como mulher negra. Até mesmo criar conteúdos na internet, pra ela é um espaço de militância, fazendo com que ela se reconectasse a diversos valores, principalmente a questões de raça e gênero. 

Sobre ser colecionadora da Barbie e questões que envolvem capitalismo e padrões de beleza, Rafaele diz que não tem como fugir do que é quase um inconsciente coletivo. 

Para mim a Barbie é um símbolo muito forte que é quase impossível a gente não ser impactado com o que ela é. Como que eu minimizo todos esses riscos e questões que a Barbie tem em relação à capitalismo, padrão de beleza e futilidade? Busco elementos que se conectam comigo, que são bonecas que tem a ver comigo. Vou fazer com que esse elemento se torne algo que me represente.

Ela nota que, atualmente, principalmente quem coleciona bonecas, em sua maioria são meninos que não puderam brincar quando criança. 

A maioria dos colecionadores são homens gays, que quando era criança não podiam brincar. Isso tem a ver com pertencimento, agora eles podem brincar.

Ela conclui dizendo que recebem muitos feedbacks das pessoas dizendo que começaram a colecionar por causa dela, ou que não tem mais vergonha de ter bonecas mesmo sendo adultos e muitos que estão realizando o sonho de ter uma boneca pela primeira vez na vida.

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