Colunas 15 setembro, 2022
por Raphael Guimarães

Arlequina e o resgate da comédia na DC

A importância de uma animação da DC que nos faça dar risada Nesta quinta-feira, teve fim a terceira temporada de Harley Quinn, a animação da Arlequina. Originalmente uma produção DC Universe, o desenho animado se tornou uma produção HBO Max após as duas primeiras temporadas e mesmo com a troca de empresa, a série mantém […]

 

A importância de uma animação da DC que nos faça dar risada

Nesta quinta-feira, teve fim a terceira temporada de Harley Quinn, a animação da Arlequina. Originalmente uma produção DC Universe, o desenho animado se tornou uma produção HBO Max após as duas primeiras temporadas e mesmo com a troca de empresa, a série mantém perfeita a sua característica mais marcante: o humor.

Descrita pela própria HBO Max como “uma série animada adulta de humor negro e super heróis”, Harley Quinn recebe muitas críticas de fãs dos quadrinhos e adoradores da DC Comics devido a quantidade de piadas no seriado, alegando que a série desrespeita heróis clássicos como Batman e Super-Homem e que sua ironia enaltece e arruina personagens como a Arlequina, que originalmente era apenas uma capanga do Coringa. Porém, não apenas isso é o que torna a série única e original como também é exatamente o que o universo DC precisava. Um resgate da comédia.

E se é a Arlequina protagonizando esse resgate, melhor ainda.

“Ah, pudinzinho, você deixa um funeral divertido”

Primeiro de tudo, se a Warner não quisesse que a animação seguisse pelo caminho do humor, teria achado outro time. A série é desenvolvida por três nomes principais:

Justin Halpern – Escritor, roteirista e comediante de stand-up conhecido principalmente pelo livro (e pela série de TV adaptada do livro) $#*! My Dad Says , exibida pela CBS e protagonizada por William Shatner.

Patrick Schumacher – Roteirista e produtor com experiência em $#*! My Dad Says, Abbot Elementary, iZombie e Powerless. Todas as séries mencionadas são puramente de comédia ou mesclas de comédia com o gênero de super-herói/quadrinhos.

Dean Lorey – Também roteirista e produtor de iZombie e Powerless, se diferencia dos outros dois por ter trabalhado em comédias mais conhecidas como Eu, a Patroa e as Crianças e Arrested Development, além de ser um dos responsáveis pelo roteiro de Jason Vai Para o Inferno – A Última Sexta-Feira 13 e autor da série de livros de terror infanto-juvenil A Academia dos Pesadelos.

Quem quer que tenha convidado essa galera, sabia o que queria: comédia ácida, extrapolação da estética e temática de quadrinhos e um tom de horror exagerado, caótico e, muitas vezes, meio asqueroso, até. 

E as escolhas voltadas para o gênero de humor se estendem para o elenco. A escolha da atriz que viveria Arlequina, a protagonista da p#!*& toda, foi completamente na direção da comédia. Enquanto no Brasil a dubladora de Harley é Evie Saide (voz oficial da personagem desde Aves de Rapina), quem dá a vida a essa versão da palhacinha do crime é Kaley Cuoco.

A tal da Kaley Cuoco. Reprodução: Jordan Strauss/Invision/AP

O nome Kaley Cuoco pode não te dizer nada (mas deveria, já que ela tem arrasado na série The Flight Attendant), mas tenta por esse aqui: a Penny, de Big Bang – A Teoria. E confesse, você pode até não dar risada dos “bazingas” mas em termos de “sitcom da CW” ela é exatamente o que precisava ser: uma série sobre amigos com atores cativantes o suficiente para segurar o público durante doze temporadas. Isso rolava lá tanto com o premiado Jim Parsons (o Sheldon) quanto com a garçonete Penny, de Kaley Cuoco.

Óbvio que isso não justifica e nem faz valer a pena a misoginia presente em várias piadas da série (ou no próprio arco de desenvolvimento da Penny ao longo das temporadas), mas talvez seja intencional da Warner trazer (ou salvar) a Kaley de um histórico desses para finalmente fazê-la brilhar protagonizando uma comédia em que as mulheres são tratadas direito.

As maiorais.

Essa ação se estende ao roteiro, já que a grande maioria dos episódios de Harley Quinn é roteirizada por mulheres com uma vasta experiência em produções de comédia renomadas como Rachel Pegram (Kenan),Sarah Nevada Smith (Blark and Son), Sarah Peters (Workaholics e Master of None), Sabrina Jalees (The Search Party e Powerless), Laura Moran (The Neighborhood), Jordan Weiss (Dollface),Jess Dweck (Brooklyn Nine-Nine e Loki) e Jane Becker (Ted Lasso). 

Um time criativo que possui roteiristas mulheres favorece em muito a animação, ainda mais quando se considera que além do humor e do non-sense ácido que a constrói, Harley Quinn aplica em seus arcos narrativos uma construção de independência e libertação feminina. Algo que tem tudo a ver com a tendência de séries de comédia com protagonistas femininas fortes e sarcásticas que surgiu a partir de 2015, como The Unbreakable Kimmy Schmidt, The Good Place, Fleabag, Marvelous Ms Maisel, Abbott Elementary e Insecure

E obviamente, a Arlequina também tem tudo a ver com esse tipo de história. 

As maiorais (de novo).

Criada em 1992 por Paul Dini e Bruce Timm, Arlequina teve sua primeira aparição em Batman: A Série Animada e teve sua origem contada no quadrinho Mad Love, de 1994. Idealizada como um puro alívio cômico e capanga/interesse amoroso do Coringa, sua origem a retrata como Harleen Frances Quinzel, psicóloga do Asilo Arkham que se apaixona por Coringa e enlouquece ao vê-lo ferido, tornando-se sua eterna cúmplice e, consequentemente, vítima. 

Embora originalmente pensada como “a namorada burra do Coringa” e reduzida por anos a uma ajudante com eterno papel submisso ao seu “pudinzinho”, os quadrinhos e as adaptações cinematográficas aos poucos foram desenvolvendo a personagem isoladamente, separada de seu namorado. 

 Aparecendo em diversos jogos e três filmes live-action (com Margot Robbie desempenhando o papel com brilhantismo), Arlequina ficou tão popular a ponto de ser considerada, por muitos fãs e pelo artista Jim Lee, o quarto pilar da DC, vindo logo depois da Trindade de Super-Homem, Batman e Mulher-Maravilha.

O Quarteto Fantástico.

Entre outras coisas, a ascensão recente de Arlequina é um sintoma de que o público da DC sentia falta do humor. E como ela tem o humor em sua gênese, sendo literalmente uma versão feminina de um “arlequim”, famoso tipo de palhaço, cai como uma luva.

Não dá pra dizer ao certo quando a comédia foi abandonada pela DC, mas se você observa o cinema é bem fácil perceber a ausência de gracinhas desde 2005, com o lançamento de Batman Begins. No fim das contas, a culpa é do Nolan. E conforme os filmes de super-herói da Marvel/Disney foram ganhando o tamanho que tem hoje através da fórmula de usar comédia de ação nos arcos narrativos, meio que foi traçando-se uma linha que coloca a Marvel num local de heroísmo otimista engraçado e a DC num local de realismo sombrio pessimista e sem espaço pra piadas. 

E isso é mentira! O universo DC é o mais tradicional de super-heróis e o Super-Homem, símbolo da editora e considerado o primeiro super-herói, surgiu como uma figura de esperança, otimismo e alegria. Por isso tantas cores. Por isso tantas piadas. 

Ai, esse Super-Homem é brincalhão mesmo, né?

No cinema foi assim com a trilogia do Batman do Nolan e com os filmes do Snyder. Podem até citar que Aquaman do James Wan e Shazam! de David F. Sandberg, tentaram quebrar essa lógica mas podemos concordar que esses dois filmes eram menos uma aplicação de humor nos heróis da DC e mais uma emulação do que a Marvel vinha fazendo, visto que o fracasso de crítica e público da DC era gritante. 

O DCnauta só voltou a rir com a Arlequina. Seja no primeiro e tenebroso Esquadrão Suicida, no segundo e não tão tenebroso O Esquadrão Suicida, ou no maravilhoso Aves de Rapina.

Quando se trata das séries animadas, esse resgate é ainda mais necessário. Afinal de contas, muitos de nós tivemos nosso primeiro contato com os personagens da DC ao assistir a animação Super Amigos, dos anos 70. E quem se lembra dela, sabe que não havia muito compromisso com a seriedade.

Uma cena bem sombria e realista das animações da DC.

Bom, nem ela e nem muitas das séries animadas da DC que vieram com o passar dos anos como Super Choque, Jovens Titãs, Krypto o Supercão e Batman Bravos e Destemidos. Foi a partir dos anos 2010 que as coisas ficaram mais sérias nas animações da DC, com produções como Justiça Jovem, A Sombra do Batman e Lanterna Verde – A Série Animada, que não são ruins, só são sérias demais. 

Aí chega Harley Quinn, a série da Arlequina, com roteiristas de comédia, uma piada a cada dois minutos e ridicularizações de personagens que vão te arrancar risadas mas também te botar pra pensar. Não é porque é comédia que não tem nuance.

A gente racha o bico da relação de dependência que o Jim Gordon tem com o Batman mas também refletimos sobre como a polícia de Gotham depende da presença de um herói mascarado para viver em paz. É engraçado ver o Bane como uma paródia de si mesmo mas também é interessante notar o contraste dele, como brutalhão, com os outros vilões da Legião do Mal.

E, claro, vamos rir horrores de cada piada que a Arlequina fizer sem que isso interfira na excelente vilã (ou heroína? Nem sei mais) que ela é. Que venha uma quarta temporada.