
por Redação PerifaCon
Anora: romance caótico em um mundo de aparências
Misturando humor ácido e crítica social, o filme de Sean Baker revela os absurdos de um conto de fadas virado do avesso.
Texto por: Pierre Augusto
Se você está em dúvida entre assistir a um romance com cenas bem quentes, uma comédia caótica ou um dramão com crítica social, pode encontrar tudo isso em um único filme assistindo Anora! O filme de Sean Baker (diretor de “Projeto Flórida”) já conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e promete conquistar ainda mais com seu caos instigante.
Mikey Madison dá vida à nossa protagonista, uma stripper que acaba se relacionando com um de seus clientes, o jovem Ivan (Mark Eidelstein), filho de um magnata russo em um período de “estudos” nos EUA. Imediatamente, nasce uma paixão regada a sexo e drogas que evolui até um casamento. Mas a magia para por aí quando a família de Ivan descobre o casamento e envia três capangas (interpretados por Yuriy Borisov, Vache Tovmasyan e Karren Karagulian) para acabar com a festa.
Vamos começar a falar de Anora pela mistura de gêneros com que o filme flerta. A princípio, a comédia romântica, fofa e atrevida, nos apresenta uma relação bem adolescente de classe alta, com os personagens frequentando festas e vivendo como se não tivessem responsabilidades (e, de fato, não têm). A velocidade com que a relação evolui se justifica facilmente pela atuação de Madison: sua fala mansa e o plano de sedução para o jovem não tão inocente Ivan funcionam muito bem para seu público também.
Mas, após as delícias do casamento e a chegada dos capangas na mansão do russo, a gritaria de festas e curtição é substituída por outro tipo de caos, difícil de categorizar, mas que acompanha a narrativa até o fim.
Tanto Madison quanto o trio de capangas carregam o entretenimento do filme, com a personagem de Madison alternando entre surtos (com toda razão) e demonstrações de fragilidade enquanto busca mais uma chance de dar a volta por cima. Essa subversão de uma personagem aparentemente fraca, mas que na verdade é uma loba, é feita sem forçar e cumpre o objetivo de arrancar risadas até com o que seria uma tentativa de sequestro.
Sean Baker não poupa os conservadores: as cenas de Anora e de outras mulheres da boate são as mais explícitas e sexuais possíveis, sem deixar qualquer mensagem moralista subentendida no contexto da história.
O que é feito de forma explícita é a desconstrução da figura do “salvador” aristocrata — uma ilusão que é violentamente quebrada no desenvolvimento da história. As agressões físicas e psicológicas enfrentadas por Anora vêm sempre da classe alta (direta ou indiretamente).
Essas agressões não apenas mostram o abuso de poder, mas também revelam a fragilidade dessas figuras que, ao longo do filme, vão se mostrando tão amargas quanto mesquinhas, com o cinismo escondido sob uma fachada de moralismo.