
por Redação PerifaCon
Ainda Estou Aqui traz retrato comovente [e burguês] da ditadura militar
Sem cenas de tortura, o longa dirigido por Walter Salles mostra os horrores do regime de 1964 para a nova geração
Texto por Sandra Vasconcelos
Imagine viver em uma casa à beira-mar, no Rio de Janeiro, em 1971. Você e sua família levam uma vida tranquila, adoram praia, dançar e estar juntos. Até que um dia, militares invadem o lar, levam seu pai, que nunca mais volta. Essa é a história de Marcelo Rubens Paiva, autor do livro Ainda Estou Aqui, que inspirou o filme homônimo dirigido por Walter Salles — renomado por obras como Central do Brasil (1998) e Terra Estrangeira (1995).
Pré-indicado ao Oscar e vencedor de 8 prêmios internacionais, o longa retrata a trajetória do ex-deputado federal Rubens Paiva (Selton Mello), sua esposa, Eunice Paiva (interpretada por Fernanda Torres na década de 1970 e por Fernanda Montenegro em 2014), e os cinco filhos do casal, após o autoexílio do político em 1964. Mesmo fora da política, Paiva auxiliava exilados do regime militar, sendo levado e morto em 1971.
O drama biográfico mergulha no Rio de Janeiro da década de 1970: vibrante, colorido, com ares hippies, mas também marcado pela repressão. Quando Rubens Paiva desaparece, o filme muda de tom, adotando cores frias que traduzem o vazio e a saudade que consomem a família.
Fernanda Torres, em uma das mais repercutidas atuações de sua carreira, brilha ao dar vida à mãe protetora Eunice Paiva. A performance foi tão impactante que rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Dramático. Torres consegue expressar, com delicadeza e força, a luta silenciosa de uma mulher que carrega sua dor enquanto tenta proteger os filhos.
A trilha sonora também é um dos destaques do filme. É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo, de Erasmo Carlos, lançada na mesma época em que a história se passa, reflete a esperança e a resistência em tempos sombrios.
Repercussões em um mundo polarizado
A narrativa conquistou o Brasil, tornando fortíssima a campanha do filme dentro e fora do país. Desde o lançamento, com o aumento do público nos cinemas, a rede social Tik Tok acumulou diversos vídeos de jovens — na casa dos 20 e poucos anos — contando sobre familiares presos e torturados nos porões da ditadura.
Por outro lado, o sucesso do longa Ainda Estou Aqui despertou boatos nas redes sociais, com internautas afirmando, equivocadamente, que a produção havia sido custeada pela Lei Rouanet.
Contudo, o Ministério da Cultura esclareceu que o filme foi inteiramente financiado com recursos próprios, majoritariamente provenientes da produtora brasileira Globoplay e das francesas Arte-Cinema e Mact Productions.
Este fato evidencia como o investimento direto no audiovisual pode alavancar a projeção de uma obra, tanto junto ao público quanto nas mais prestigiadas academias de cinema do mundo. O exemplo reforça a importância do planejamento estratégico e de recursos adequados para alcançar reconhecimento internacional e sucesso comercial.
É importante destacar que o filme aborda um recorte específico da sociedade brasileira: uma elite branca que também foi afetada pela violência da ditadura. A perspectiva gerou debates, como o ocorrido no Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura, onde o autor Marcelo Rubens Paiva respondeu a críticas sobre a obra ser limitada a esse recorte. “O livro era sobre a minha mãe, sobre aquele período, mas o que é importante no filme é que mostra uma família burguesa que poderia se acomodar […] só que não”.
Mais a frente, Paiva ressalta que anseia que a narrativa abra as portas para outras pessoas contarem o que viveram durante a ditadura militar. “Que incentivem outros personagens que falem dessa periferia, que a gente não consegue abordar no meu filme, porque não é a nossa história. A nossa história é a da família burguesa”, disse Marcelo Rubens Paiva.
Apesar disso, o filme é um testemunho sobre os horrores do regime militar e a luta por liberdade, especialmente em um país onde a memória histórica é constantemente ameaçada.
“Ainda Estou Aqui” tem sido abraçado por críticos e pelo público desde a sua estreia, e não apenas pela qualidade técnica e artística, mas também pelo impacto histórico. A história revisita questões como censura, tortura e censura, cumprindo o papel de relembrar o passado para não repeti-lo.
Ainda Estou Aqui segue em cartaz nos cinemas!