Banner 27 junho, 2023
por Redação PerifaCon

A paixão nacional das novelas e como os LGBTQIA+ estão nelas

Estamos em 2023, está na hora do personagem gay parar de ser feito por um cara hetero com trejeitos afeminados, né?

 

A representatividade LGBTQIA+ em novelas e outros programas de televisão tem sido uma questão discutida nos últimos anos. Embora tenha havido avanços significativos na inclusão de personagens LGBTQIA+ em diferentes produções, é importante reconhecer que ainda existem desafios a serem enfrentados. Personagens dentro da comunidade existem abertamente desde os anos 1970, como por exemplo o Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo, mas será que o papel sempre será ligado às risadas?

Em relação às novelas, historicamente, a representação de personagens LGBTQIA+ foi limitada e, muitas vezes, estereotipada. Personagens gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros frequentemente eram retratados como alívio cômico, cujo principal objetivo era gerar risadas por meio de estereótipos e piadas preconceituosas. Majoritariamente representados por atores e atrizes heterossexuais, os personagens pouco tinham de desenvolvimento ou história própria, e em muitas situações, deixavam de ser LGBTQIA+ em algum momento. Essa representação reducionista dos personagens perpetuava estigmas e contribuía para a marginalização e a discriminação enfrentadas pela comunidade. Pensar que em Tieta de 1990 a personagem de Betty Faria já falava que os gays não eram diferentes e muito pouco mudou hoje em dia. 

Carol Duarte interpretou o Ivan em ‘A Força do Querer’.

No entanto, nos últimos anos, tem havido uma mudança gradual no panorama da representação LGBTQIA+ na mídia, incluindo as novelas. Alguns programas começaram a abordar questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero de forma mais respeitosa e inclusiva. Personagens LGBTQIA+ estão sendo retratados com mais profundidade e complexidade, explorando suas experiências de vida, relacionamentos, desafios e conquistas, em vez de apenas servirem como alívio cômico. Um exemplo pode ser o personagem Ivan de A Força do Querer de 2017, mesmo interpretado por uma atriz cisgênera (e lésbica na vida real), Carol Duarte, a jornada de aceitação da identidade de gênero foi feita de maneira séria, mostrando os conflitos internos da personagem com a sua família, a sociedade e principalmente consigo. Em casos mais atuais, o assunto da transexualidade, com atuação de atrizes trans, foi tratado em A Dona do Pedaço (2019) e Terra e Paixão (2023, mesmo que na primeira ainda de uma forma menos aprofundada e ainda cômica, mas a novela tinha esse tom mais “leve”, e na segunda ligado à outra questão, a prostituição. 

Essa representação mais autêntica e positiva tem o potencial de aumentar a empatia e a compreensão da audiência em relação às questões enfrentadas pela comunidade LGBTQIA+. Além disso, ao retratar personagens LGBTQIA+ como protagonistas de suas próprias histórias, e não só como adereço, pode mostrar a gama de possibilidades que uma pessoa LGBTQIA+ possui. Um caso que começou muito bem e, mesmo fazendo sucesso, caiu no humor foi o de Félix, interpretado por Matheus Solano (um ator heterossexual) em Amor à Vida de 2013, O personagem, cheio de trejeitos, tinha uma história, era um vilão com diversas camadas, terminou como um vilão cômico? Sim, mas não foi um personagem unilateral. 

Yuri, interpretado por Jean Paulo em ‘Vai na Fé’.

É importante ressaltar que a representatividade LGBTQIA+ na mídia deve ser diversa e abranger diferentes orientações sexuais, identidades de gênero e experiências. Além disso, é fundamental que os profissionais envolvidos na criação das novelas e demais produções audiovisuais consultem e envolvam membros da comunidade LGBTQIA+ para garantir uma representação autêntica e evitar estereótipos prejudiciais.

Embora ainda haja muito trabalho a ser feito, a crescente representatividade LGBTQIA+ em novelas e outros programas de televisão é um passo importante na direção da inclusão e do reconhecimento das vozes e vivências da comunidade. Por isso, é importante contar essas histórias com pessoas que possuam essas vivências, para que os personagens tenham embasamento o bastante para trazer a emoção necessária e deixarem de ser apenas coadjuvantes que estão ali para algumas risadas.

Nota do autor: Os exemplos aqui utilizados focaram muito em programas da Rede Globo, pois, infelizmente, é a única que atualmente ainda tenta inserir personagens LGBTQIA+ em suas tramas em rede nacional. 


Texto por Guilherme de Araujo. Siga o colunista nas redes sociais