
por Redação PerifaCon
20 anos de ‘A Era do Gelo’ – O filme ainda é bom?
Poucas coisas fazem você se sentir tão velho quanto perceber que filmes marcantes da sua infância já são clássicos com décadas de existência. A Era do Gelo, para a surpresa de todos os millenials e gen-zs, agora é um desses filmes também. Em março de 2022, completam-se vinte anos do lançamento da animação dirigida por […]
Poucas coisas fazem você se sentir tão velho quanto perceber que filmes marcantes da sua infância já são clássicos com décadas de existência.
A Era do Gelo, para a surpresa de todos os millenials e gen-zs, agora é um desses filmes também. Em março de 2022, completam-se vinte anos do lançamento da animação dirigida por Chris Wedge (sendo a data de lançamento nos Estados Unidos no dia 15 de março de 2002 e no Brasil no dia 22 de março de 2002).
Há vinte anos a Fox, junto com a recém-comprada Blue Sky Studios, marcava época com seu primeiro filme feito inteiramente em animação digital que rendeu bastante dinheiro, muita popularidade e uma indicação ao Oscar de Melhor Animação (perdendo pra Viagem de Chihiro).
E então, nos resta fazer a pergunta: Depois de duas décadas, cinco sequências, sete curtas e dois especiais pra TV…o primeiro A Era do Gelo, lançado em 2002, ainda vale a pena?
Talvez, um bom ponto de partida seja pensar um pouco sobre a trama do filme.
Sobre o que é A Era do Gelo?
O filme se passa durante o último período glacial, cerca de 18 mil anos atrás, e possui três animais desse período como personagens principais: Manny – o mamute mal-humorado, Sid – a preguiça atrapalhada e Diego – o tigre-dentes-de-sabre misterioso (e estranhamente sensual). Durante todo o longa, acompanhamos os três animais de personalidades contrastantes precisando trabalhar em equipe para levar um bebê humano de volta à sua família. Pois bem, já na premissa temos algo de interessante – o tropo de “três caras e um bebê”.
É bem provável que esse tenha sido o primeiro contato de muitas pessoas com esse tipo de história, mas é um arquétipo narrativo bastante antigo que muito provavelmente deriva dos bíblicos Três Reis Magos e abordado de diferentes formas em diferentes obras. No curta Hells Heels, de 1930, o bebê é visto pelo coelho Oswald como um fardo e representação das consequências de seus atos que precisa confrontar. Em 3 Godfathers de 1948, a missão de salvar o bebê se torna a coisa mais importante da vida de três assaltantes que enxergam nisso uma maneira milagrosa de se redimirem por seus pecados. Em Três Solteirões e um Bebê, de 1987, a jornada de cuidar do bebê convence os três solteirões a terem uma vida mais familiar e menos devassa, usando a criança como um símbolo de responsabilidade. Mas sejamos honestos: o olhar que A Era do Gelo deu pra essa premissa em 2002 foi mais interessante e bem menos moralista que essas versões mencionadas até agora.


Em A Era do Gelo, ao invés dos personagens serem punidos por seus pecados ou sofrerem as consequências de seus passados, eles são ensinados de que a vida continua após grandes decepções e que é possível achar acolhimento em novos lugares, com novas pessoas. É possível encontrar uma nova família mesmo depois de ter perdido a sua (o caso do Manny), ter sido abandonado pela sua (Sid) ou só ter descoberto que seu bando antigo era muito babaca mesmo (o póbi do Diego).
Pois bem, além de uma aventura engraçada e envolvente que une filme-de-estrada com faroeste e comédia dos anos oitenta com inspiração bíblica, A Era do Gelo ainda consegue ser profundo, compreensivo, otimista e comovente. Não é a toa que um ano após seu lançamento, o filme Padrinhos De Tóquio, do diretor Satoshi Kon, foi lançado com uma abordagem muito semelhante do arquétipo de “três pessoas e um bebê” e acabou se tornando um dos filmes mais elogiados do conceituado diretor japonês.
O elenco e os personagens são bons mesmo?

Em animações voltadas ao público infantil, é comum que os personagens sejam o que dita o ritmo do filme e define a personalidade de toda a história. Com A Era do Gelo não é diferente, todo o clima que ronda os 81 minutos de duração da obra se estabelece a partir dos personagens.
Por exemplo, boa parte do filme tem o objetivo de amolecer o coração de quem se mostra fechado para novos ciclos, novas relações e até novas chances de encontrar felicidade e conforto – o que é representado pelos arcos de personagem de Manny e Diego.
Desde a primeira cena em que aparece, o mamute é construído como um desajustado que vaga no caminho contrário de todos os outros animais da região, indo em direção ao frio congelante do período glacial. Como quem não quer estar onde os outros estão mas também como quem não se importa em salvar a própria vida.
Já o lindo do Diego tem questões um pouco mais básicas no seu arco: é um vilão mal intencionado que se arrepende de seus planos antes de concluí-los, um tipo de síndrome de Estocolmo ao contrário em que é o agressor que se apega às vítimas. Ele não é exatamente solitário pois possui sua alcateia mas ao longo da viagem com seus novos amigos acaba descobrindo que alianças e relações podem ser mais saudáveis.
Tudo isso, apesar de muito inspirado e maduro, poderia ser denso demais para um filme animado com foco no público infantil e a Fox optou por seguir um tom mais humorístico, incluindo na produção roteiristas de comédia como Peter Ackerman e Michael Berg.

E pra encarnar esse tom de comédia sem diminuir o drama dos outros bichos, dois carinhas existem: Sid, a preguiça! e o queridinho de todos (que eu nem sei como não mencionamos até agora) Scrat, o esquilo. E sim, tô ligado que é bem fácil odiar personagens de alívio cômico mas vale a pena dar uma chance pra esse bichos que são, sim, bem feios mas tem um bom coração.
Sid, além das trapalhadas e gritos finos, não chega a ter um arco. Ele começa e acaba com o mesmo objetivo: formar uma família com seus novos amigos que além de bem legais podem oferecer proteção a ele. Já o Scrat, embora não tenha um arco também, é consistente na sua participação – ele quer uma noz e passa o filme inteiro tentando pegá-la e/ou escondê-la em algum lugar. Nunca dá certo, ele sempre se dá mal e não faz nada além de sofrer e se desesperar. É hilário. Scrat foi criado com objetivo de quebrar momentos de tensão com suas aventuras e deu certo demais, as sequências do esquilo são como um mini-episódio de Looney Tunes que ganhamos de presente enquanto descansamos do faroeste animal no gelo que esse filme acaba sendo (e não digo isso NUNCA como uma ofensa).
E se todo esse planejamento com os personagens não fosse o suficiente pra deixar o filme leve e identificável, o elenco de dublagem só aumenta a graça de cada um deles. No original, Manny é Ray Romano (da sitcom Raymond e Companhia), Sid é John Leguizamo (o Luigi do filme Super Mario Bros) e Diego é Denis Leary (a voz da joaninha Francis em Vida de Inseto). E no Brasil então, uau! As vozes são tão interessantes que se o filme fosse em live-action eu ainda ia querer ver. Manny é Diogo Vilela (de O Auto da Compadecida e Toma Lá, Dá Cá), Sid é Tadeu Mello (famoso por A Turma do Didi mas que ficou tão popular na voz do Sid que acabou dublando outra animação popular no Brasil, Putz! A Coisa Tá Feia) e Diego é Márcio Garcia (conhecido por Caminho das índias, não tão sexy quanto Diego mas sexy o bastante para dublá-lo).
E o visual envelheceu bem?

“Existe um tipo interessante de tensão sobre quem é o verdadeiro autor em uma animação. Quem realmente sabe fazer um filme animado, os roteiristas ou os artistas de storyboard?”, disse o roteirista Peter Ackerman ao Los Angeles Times em 2002 e, vendo o filme, infelizmente nota-se que não consideraram o quanto os visuais eram cruciais para o andamento da história – ainda mais se tratando de um filme-de-estrada em que os cenários e paisagens deveriam importar.
Bem, não é o caso aqui. Como a animação opta em não utilizar tantas texturas em seus modelos 3D, os ambientes podem ser até bonitos mas aparentam ser estáticos e não transmitem nunca sensação de movimento. A neve não aparenta ser fofa, o gelo é sólido demais e os túneis (que ainda entregam uma sequência ótima por conta da trilha inspirada e dos ângulos frenéticos de câmera) não parecem escorregadios. Com o orçamento que A Era do Gelo tinha e a escolha criativa de ter uma era glacial como cenário, talvez o filme funcionasse melhor como uma animação tradicional 2D (no estilo de O Menino Que Queria Ser Urso, outro filme de 2002).
Por sorte, é aí que acabam os problemas com o visual do filme. A falta de textura também é presente nos personagens, mas isso não chega a ser um problema quando suas movimentações, por mais que simples, são funcionais e bem coreografadas. Depois de dar uma olhada nas artes conceituais de A Era do Gelo, fica evidente que os designs desses animais foram pensados com carinho para contar uma história cativante não só no texto mas também aos olhos.

E se 20 anos depois tanto a história quanto os personagens e o visual do filme ainda são satisfatórios, o que mais poderia ser considerado ao celebrarmos o aniversário desse filme que marcou tanto a vida de quem cresceu nas últimas duas décadas? Ah, claro. Tudo que aconteceu depois dele.
Afinal de contas, as sequências estragaram ou não o filme original?

Primeiramente, isso nem é possível. Uma franquia pode ter um filme genial e outro deplorável, a qualidade de um jamais afeta o outro (exemplo: Carros e Carros 2). E mesmo se fosse possível, não seria o caso com A Era do Gelo já que suas quatro primeiras sequências não são esse desastre que algumas pessoas fazem parecer.
Os filmes fazem um grande sucesso comercial (todas as continuações de A Era do Gelo que estrearam nos cinemas brasileiros entraram pelo menos no top 10 de maiores bilheterias do ano em que foram lançados), mantém todo o elenco original (seja no original em inglês quanto na dublagem daqui) e evoluem visualmente em relação ao primeiro filme (adicionando cores e texturas aos animais, vida aos cenários e movimentações ainda mais fluidas para os momentos de ação).
Nem mesmo o tema principal é deixado de lado, já que todos os filmes terminam com a mensagem de que é possível encontrar acolhimento e união nos lugares e “pessoas” mais inimagináveis, sempre adicionando no mínimo mais uns três personagens ao bando . É até engraçado lembrar que o filme de 2002 tenha só três protagonistas enquanto o quinto longa da franquia conta com 10 sujeitos na jornada. Enfim, as continuações não são ruins, só menos sérias e mais interessadas em caos divertido de mensagem familiar.
Sabe o que é que, de verdade, arruinou A Era do Gelo? A Disney. Sempre ela, né?
Em 2019, a Disney finalizou a compra da Fox, adquirindo tudo que pertencia ao estúdio – incluindo Blue Sky, que além de A Era do Gelo, também foi responsável por obras marcantes como Robôs, Horton E o Mundo dos Quem e Rio. Em 2021, o rato anunciou o fechamento do estúdio, cancelando todas as produções em andamento exceto uma – o sexto capítulo da franquia, A Era do Gelo: As Aventuras de Buck que prometia focar na doninha apresentada no terceiro filme.
Lançado em janeiro de 2022 somente no Disney+, esse sim pode ser considerado uma porcaria de desenho. Quase todo o elenco de dublagem foi trocado, a animação é tão precária quanto a de jogos de computador dos anos noventa e é tudo feito com tanto descaso que o único sentimento possível de se ter aqui é tristeza por pensar que enquanto a Disney avança no seu plano oligopólio de comprar tudo e produzir TODA a mídia que a nós consumimos, menos chances nós vamos ter de assistir filmes interessantes que não sejam produzidos todos pelas mesmas pessoas.
Por fim, a conclusão a que se chega é que caso queira assistir uma animação criativa, engraçada, marcante e emocionante; você deveria assistir o primeiro A Era do Gelo. Porque ele ainda é muito bom e completa vinte anos em 2022. Feliz aniversário, A Era do Gelo!
