
por Redação PerifaCon
Wakanda Forever: Sobre nossos ciclos de luto e lutas
A sequência de ‘Pantera Negra’ nos convida a dar as mãos no luto e na solidariedade antirracista Durante a vida desenvolvemos a habilidade de nos conectar com diversas pessoas, criar as chamadas redes sociais. Com a arte encontramos essa conexão até mesmo com aqueles que não conhecemos pessoalmente e que entram em nossas vidas a […]
A sequência de ‘Pantera Negra’ nos convida a dar as mãos no luto e na solidariedade antirracista
Durante a vida desenvolvemos a habilidade de nos conectar com diversas pessoas, criar as chamadas redes sociais. Com a arte encontramos essa conexão até mesmo com aqueles que não conhecemos pessoalmente e que entram em nossas vidas a partir de seus feitos. Há uma relação de proximidade amplificada pelas mídias sociais que nos faz acreditar que algumas personalidades são tão familiares como um parente. Nos tornamos fãs, admiradores de um trabalho e de quem dá voz a eles. E assim como quem perde um amigo, sentimos o luto, muitas vezes sem a oportunidade de nos despedirmos.
A morte de Chadwick Boseman foi desses acontecimentos tão inesperados que a sensação que tenho (como fã e admiradora) e que me foi tirada a tal oportunidade de viver esse luto, de homenageá-lo em vida como ele merecia. E por menor que seja a presença de uma estrela hollywoodiana em nossas vidas, o sentimento não pode ser ignorado, ele é real.
Ao assistir as entrevistas do elenco de Pantera Negra, entendemos que esse buraco deixado por uma infeliz surpresa, é algo compartilhado por todos nós. A partir disso é possível compreender porque Wakanda Forever trata de forma tão intensa os aspectos do luto, dividindo com a sua audiência a tarefa de lidar com uma perda tão significativa para a história que é contada, mas também para as nossas vidas no mundo real.

Em seu início o filme apresenta uma Shuri que não aceita o inevitável, que batalha com as armas que tem para vencer a morte do irmão. É uma batalha que se inicia com fim anunciado. Nós sabemos disso e por isso a cena gera um incômodo tão grande, nos aproximando dessa dor logo de cara para entregar uma belíssima sequência de funeral a partir das tradições de Wakanda.
Estamos em uma narrativa que nos convida a vivenciar o luto não só do personagem, mas também homenagear quem lhe deu vida, voz e rosto. Habilmente Ryan Coogler nos conta que estamos passando por isso juntos e que o luto não pode ser ignorado, precisa ser vivido para que possamos superar a perda e aprender a conviver com o que nos resta, a saudade.
A morte do Pantera Negra, protetor do reino, causa diversos impactos políticos e sociais no reino e enquanto os personagens que já conhecemos tentam lidar com suas dores, novas ameaças são apresentadas. Por um lado, nações do mundo interessadas na abertura dos portões de Wakanda estão em busca de suas riquezas e tecnologia, cobrando as promessas do falecido Rei T’Challa e desfrutando da vulnerabilidade de uma nação que perdeu seu protetor. Por outro lado, o reino submerso de Talocan, que possui diversos segredos, assim como Wakanda, e agora precisa lidar com a superfície metendo o bedelho em suas fronteiras, uma outra consequência do discurso de T’Challa no fim do primeiro filme.
Aqui a mensagem é clara: A decisão de T’Challa de compartilhar a sabedoria de Wakanda se torna um (esperado) problema para quem até então conseguiu evitar o doloroso processo de colonização. Esse é um dos momentos em que o roteiro responde às diversas críticas de quem avaliou o filme anterior com um olhar mais descolonizado, questionando as escolhas que enfraqueciam o potencial da história contada e também o desenvolvimento de um protagonista que de todas as lições que poderia ter aprendido com o vilão, decidiu compartilhar suas riquezas com quem não abriria mão de saqueá-lo, tendo a história da humanidade como testemunha. Contudo, naquela época, boa parte do público não deu importância a esses detalhes, mas a sequência é uma resposta de Coogler. Ele nos ouviu e foi além.

As mais de duas horas de filme tem sido um ponto de crítica para quem já o assistiu, mas é humanamente impossível lidar com as diversas questões apresentadas, entre elas as lacunas deixadas pelo filme anterior, o luto de um protagonista de impacto cultural e ainda apresentar povos marginalizados, sem correr o risco de ser desrespeitoso com temas que não são comumente abordados principalmente em blockbusters. Povos negros e indígenas raramente são ligados a ideia de tecnologia e modernidade, e quando o são, é sempre sobre um ponto de vista eurocêntrico sobre aquilo que é considerado uma civilização avançada.
Wakanda e Talocan se encontram diversas vezes em tudo aquilo que têm em comum, como uma mensagem não só decolonial, como também de solidariedade antirracista. (Se você não conhece ambos os termos, talvez tenha dificuldade para sentir a profundidade e importância desse ato.) É nessa encruzilhada que somos catapultados para um turbilhão de sentimentos e conexões com nossa identidade negra, indígena e latino-americana. É um alívio inesperado dentro de uma sequência de filmes de heróis com os quais conseguimos nos conectar muitas vezes pela nostalgia ou por uma (vamos chamar de) obrigatoriedade do que por uma real identificação, enquanto pessoas não-brancas.

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre investe numa representatividade que vai além de ver corpos negros, latinos e indígenas. Ele nos brinda com a amplificação das nossas vozes, das nossas lutas, da necessidade de nos perceber como aliados. Ele discute de forma sentimental as nossas diversas dores e ainda aponta um caminho de esperança para que possamos solucioná-las na vida real, sem os poderes de super-heróis, mas conscientes das nossa existência e da nossa força.
Por fim, prepare-se para se emocionar, porque talvez estejamos diante da melhor produção do MCU, essencialmente por entregar de maneira exuberante e apaixonada aquilo que não esperamos de filmes do gênero. É sério, é profundo, é emocionante, mas também é divertido e sedutor. Uma viagem extraordinária pelos ciclos de luto, de cura e de luta.