Banner 21 março, 2022
por Carissa Vieira

Precisamos falar sobre pirataria dentro do audiovisual

Se tem um tema recorrente dentro do universo dos consumidores de cinema no Brasil é a pirataria.  Como o país consome bastante conteúdo pirateado – e sabemos que não apenas de audiovisual – volta e meia retorna o debate sobre ser ou não um absurdo assistir filmes e séries através do download ilegal. Normalmente quando […]

 

Se tem um tema recorrente dentro do universo dos consumidores de cinema no Brasil é a pirataria. 

Como o país consome bastante conteúdo pirateado – e sabemos que não apenas de audiovisual – volta e meia retorna o debate sobre ser ou não um absurdo assistir filmes e séries através do download ilegal.

Normalmente quando se começa a conversa sobre o tema dentro do setor, logo se fala sobre o quanto é prejudicial para produtoras e profissionais de áudio e vídeo de todos os tipos. Muitos defendem que assistir filmes e séries ilegalmente diminui as possibilidades de trabalho e a arrecadação de impostos, além de abrir caminho para o roubo de dados de informações de usuários.

E sim, a pirataria traz alguns males para a indústria e em um mundo ideal todas as pessoas do planeta teriam acesso a todos os filmes e séries lançados sem precisar recorrer a algum método ilegal de reprodução de vídeo. A grande questão é que sabemos que vivemos em um país com diversos níveis de desigualdade e por conta disso quando falamos sobre o assunto precisamos considerar diversas questões e ampliar esse debate para além do discurso do “é crime, faz mal para o setor e ponto final“.

Audiovisual é cultura, algo que precisa ser democratizado. Apesar do desmonte que acontece diariamente e que visa acabar com a cultura do país, sabemos da importância de se ter acesso a diversas formas de expressões culturais. Infelizmente, devido a desigualdade existente, o acesso não é o mesmo dependendo do local em que você vive e do seu poder aquisitivo.

Diversas cidades do Brasil ainda não possuem salas de cinema, o que dificulta com que boa parte da população possa aproveitar os lançamentos que saem toda semana. E mais, mesmo em locais onde existem muitas salas de cinema, o próprio preço das sessões normalmente é alto.

Reprodução: Internet

Por que será que lá em 2007 tantas pessoas compraram o DVD pirata de Tropa de Elite ao invés de irem às sessões de cinema? Não foi por não desejarem assistir ao filme em uma sala de cinema, mas sim porque o preço de um DVD pirateado era muito menor do que a entrada de uma sessão em uma sala de multiplex. E os tempos eram menos difíceis que hoje. A desigualdade era enorme, mas menor do que a realidade de 2022. E o preço de uma sessão de cinema também era consideravelmente inferior. 

Em um país onde muitas pessoas sofrem para colocar comida no prato, fica inviável gastar o preço da alimentação básica da semana para ir a uma sala de cinema. Diga-se de passagem, o Brasil tem um dos piores preços de cinema do mundo, quando comparado ao salário mínimo. Uma pessoa que recebe pouco mais de R$1000,00 não tem condições de gastar R$40,00 com frequência para assistir a um filme. Exigir que um trabalhador que luta para conseguir pagar contas básicas pague esse preço para ver um filme por lazer é completamente absurdo. E tão absurdo quanto é achar que se a pessoa não tem como pagar, ela que fique sem assistir. Cinema é cultura, e em uma sociedade justa todos teriam acesso. No Brasil, não é a realidade.

Voltando a Tropa de Elite e como a venda pirata do filme ajudou a transformá-lo em um fenômeno, se formos pensar sobre o caso, ele é muito fora da curva, mas a maneira que as pessoas consumiram o longa-metragem mostra que o brasileiro deseja sim ter acesso aos filmes, mas isso precisa ser mais democrático, mais acessível para a maioria da população.

Outro problema são os filmes mais antigos. Muitos deles estão em streamings, onde se paga um preço mensal e se tem acesso a um grande catálogo de obras. O problema? Atualmente temos tantas plataformas do tipo que praticamente ninguém tem condições de pagar por todas para conseguir assistir ao que deseja.

Para a maioria dos brasileiro que podem bancar um serviço desse tipo, ter um, dois, no máximo três serviços de streaming é o que dá. E ainda assim, não é barato. Até porque é necessário ter uma internet razoável para conseguir um resultado aceitável das plataformas. Voltamos a desigualdade social mais uma vez, percebeu?

Longe de mim dizer que a pirataria é o caminho. Como profissional do audiovisual adoraria que ninguém precisasse recorrer a métodos ilícitos para assistir o que quer que seja. Seria incrível que todos os locais pudessem ter salas de cinema a preços acessíveis e que o brasileiro médio pudesse pagar por uma boa internet e por diversos serviços de streamings. Isso tudo sem afetar sua qualidade de vida. O problema é que a realidade não é essa. O país passa por um empobrecimento gigante, com mais e mais pessoas passando por inúmeras dificuldades para sobreviver. Então é um problema que sempre que a discussão sobre pirataria acontece, muitos esquecem que somos um país gigante em extensão, e também em desigualdade. E não tem como debater o tema dentro da realidade brasileira sem analisar os inúmeros problemas da população.

A pirataria não vai sumir, então qual a melhor forma de acabar com ela? Além de melhorando a vida do povo, permitindo que todos tenham uma renda maior; também democratizando o acesso. Mais salas de cinema fora das grandes capitais, a preços acessíveis. Festivais de cinema a preços populares ou gratuitos. Streamings com preços melhores para a realidade brasileira, internet a preços mais baratos e muito mais. Tudo isso passa por políticas públicas, o que atualmente é muito distante da realidade do nosso país, infelizmente.

E enquanto essas coisas forem tão difíceis para a população, o que resta é debater sobre a pirataria de uma forma menos elitista. Porque é muito fácil morar em São Paulo, trabalhar com cinema e receber bastante acesso gratuito a serviços de streaming e a cabines de imprensa e bater no peito para dizer que não consome nenhum tipo de pirataria. Difícil é pra quem não tem acesso a nenhuma dessas coisas conseguir assistir a um filme qualquer. E filmes, séries e qualquer tipo de arte deveriam ser um direito de todo cidadão, não importa de onde ele venha.