Banner 3 setembro, 2022
por Redação PerifaCon

Marte Um: sobreviver não basta, é preciso sonhar

Marte Um, filme dirigido por Gabriel Martins, é uma das apostas para representar o Brasil no Oscar Marte Um narra o cotidiano afetivo de uma família negra mineira que tenta dar o seu melhor todos os dias, mesmo em meio a um contexto político de eleição de Jair Bolsonaro. A história se passa logo após […]

 

Marte Um, filme dirigido por Gabriel Martins, é uma das apostas para representar o Brasil no Oscar

Marte Um narra o cotidiano afetivo de uma família negra mineira que tenta dar o seu melhor todos os dias, mesmo em meio a um contexto político de eleição de Jair Bolsonaro. A história se passa logo após o resultado das eleições, e lá, em Contagem, cidade pertencente à Região Metropolitana de Belo Horizonte, reside Tércia, a mãe, Wellington, o pai, Deivinho, o filho mais novo, e Eunice, a filha mais velha. Poderia ser a família de comercial de margarina de um universo paralelo onde famílias negras fossem longamente representadas em comerciais, mas ainda é inédito. 

Foi através de um sonho que veio a ideia do filme, em 2014 (em meio a Copa do Mundo no Brasil), me contou o diretor e roteirista de Marte Um, Gabriel Martins, em uma exibição que aconteceu no IMS Paulista no sábado, 27 de agosto de 2022, dois dias depois da estreia do filme que poderá  – finalmente – render um Oscar ao cinema nacional. O filme já está em uma lista bem reduzida, e torço muito para que chegue lá, explico os motivos a seguir.

Narrativamente, podemos acompanhar de forma individual e quase como se pudesse ter esquetes sobre cada membro da família: em seus dramas e particularidades, todos eles querem algo em comum, que é poder sonhar e compartilhar em família seus desejos, e quem sabe um dia viver em condições melhores, onde a questão financeira não mais seja um problema. Quem é de quebrada vai entender na pele de que tipo de progresso o filme trata, até com memórias, porque é difícil não se identificar diretamente com a forma como cada personagem vivencia os próprios desafios, e como o afeto é representado. 

Reprodução:  Filmes de Plástico

Uma mãe que ama seus filhos e demonstra dando uma canequinha para a filha que vai se mudar quando começa na universidade, o pai um pouco turrão fanático por futebol que sonha para o filho uma carreira de jogador de futebol, e demonstra amor dando uma cadeira para a filha mobilhar a nova casa. O amor sapatão que a filha vive na universidade. A inventividade de um menino que vai até um ferro velho para tentar construir uma engenhoca e tentar ver Marte melhor, e um dia, quem sabe, ser um astrofísico capaz de compor a missão que talvez povoará Marte em 2031?

Nem nos sonhos mais malucos e trilionários de Elon Musk ele imaginaria que Deivinho, um menino negro no meio de Minas Gerais iria ver um vídeo com uma criança negra vestida de astronauta e pensaria: se ela está lá, porque eu também não posso estar? Sonhar é possível. A mera sobrevivência não é mais suficiente: nós queremos mais. 

Já se foi o tempo onde o cinema nacional era retratar um “preto com arma pra cima num clipe na favela gritando cocaína”.  Todo mundo saiu da sessão secando as lágrimas, e o filme é realmente emocionante porque ele atinge outro nível de verossimilhança: nós somos essa família, estamos ainda vivendo neste mesmo governo eleito em 2018, e vamos viver os efeitos da destruição e dos traumas coletivos adquiridos nos últimos anos ainda por muito tempo. Assim como Tércia, só queríamos comer um salgado em paz, e vem um desgraçado nos fazendo passar por um trauma. Igual a ela, temos que elaborar a morte rodeando a nossa face várias e várias vezes, perder o sono e ainda assim, ir trabalhar no dia seguinte achando que o problema é individual, ou mesmo uma maldição.

Reprodução:  Filmes de Plástico

[Parágrafo com spoiler]

Em meio a sessões de Alcoólicos Anônimos que Wellington, o pai vai para se fortalecer contra o vício e tentar ser alguém melhor para sua família, o pior acontece: ao perder o emprego, cai na bebedeira. Mas recebe o amor e o acolhimento de sua família. Ele não se entrega para o álcool, e do começo até o fim do filme, você quer que essa família dê certo, que os dramas se resolvam, e que no final, com uma fala bem mineira o pai diga para o filho sobre o sonho dele ir à Marte “Uai, a gente dá um jeito”.

As escolhas de cores do filme chamam atenção porque nos momentos onde se pode ver a luz do luar, é impossível não lembrar do filme Moonlight. O azul faz contraste com a alegria do piseiro onde a mãe, Tércia, sai para dançar, e assim como seu colar vermelho, também fica avessa ao que está acontecendo no ambiente: é tomada por uma crise pós traumática. A redenção dela é conseguir dormir na última cena. E mesmo com tantos altos e baixos, todos olham para o céu, e juntos no quintal de casa que já presenciou sambas e despedidas, contemplam em família o futuro possível, os próximos sonhos e desafios, a lua ou marte. Nem o céu é o limite.

Confira aqui quais cinemas do Brasil estão exibindo o filme.