por Redação PerifaCon
Lispectorante traz o impulso de enxergar a vida sob outra perspectiva
O longa-metragem explora de forma surreal e poética o sentimento de impacto transformador causado após ler Clarice Lispector.
Por Ester Raquel Silva Nascimento
A sensação de se aprofundar e reparar nos mínimos detalhes é como muitos artistas encaram a vida, uma das mais importantes a representar esse modo de viver é Clarice Lispector e em “Lispectorante” vemos os tipos de efeitos colaterais. A casa no bairro da Boa Vista, em Pernambuco, onde morou a famosa escritora, atrai diversos fãs e turistas pelo mundo, mesmo estando em ruínas. Glória Hartamn (Marcélia Cartaxo) sem dúvidas é uma delas.
A mulher madura, de 60 anos, que passa por uma grande crise existencial e financeira pós-pandemia, traz um pouco de identificação para cada um pelas experiências que dividimos nesse período. O seu retorno a Recife, sua cidade de origem, é como uma maneira de retomar o controle sobre a própria vida, depois de passar por um divórcio de uma relação onde ela nem existia mais como artista.
O encontro com o cenário fantástico é uma escolha de uma viagem lírica e poética, que tem o portal numa fenda das ruínas onde morou a escritora, que nos convida a sair do convencional pela ótica de uma mulher (e atriz) com muita bagagem e experiência de ser uma multi-artista. Aqui acompanhamos todos os tipos de luto pelas perdas de vários tipos de certezas, mas existe a possibilidade de enxergarmos esses casos e acasos de um jeito diferente do esperado, numa aura mais psicodélica, como o amor.
O filme delicado e reflexivo não é para todos os tipos de públicos, que podem se perder entre o real e o imaginário em que a trama se passa. Nas palavras da própria diretora Renata Pinheiro:
“O público de festival como o da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é um público mais receptivo, por ser um filme diferente de toda essa geração de filmes por ser bastante poético. Porque depois de se ler Clarice Lispector, você se aprofunda em questões que normalmente você passaria direto, é como se tomasse um expectorante e abrisse o pulmão ou também pode ser encarado como uma grande droga alucinógena expectorante.”
Além da personagem principal, que já atuou em “A hora da estrela” outra adaptação da obra de Lispector, que evoca toda essa persona, assim como a estátua da escritora, que é um ponto turístico local na praça onde boa parte da história se passa, como se ela fosse o contraponto da protagonista.
Para quem estiver disposto a conhecer um pouco da sensação de expectorar, a ficção dá uma dose de como isso pode funcionar, como através desse grande condutor narrativo as reflexões existenciais provocadas até hoje por Clarice Lispector.