Banner 6 setembro, 2022
por Redação PerifaCon

Júlia Belas Trindade e sua jornada no jornalismo esportivo

Batemos um papo com Júlia sobre sua trajetória profissional e seus interesses no jornalismo esportivo Entrevista conduzida por Andreza Delgado, matéria escrita por Raphael Guimarães De acordo com dados do IBGE, 56% da população brasileira se autodeclara negra. Em paralelo a isso, uma pesquisa de 2021 feita pelo Perfil Racial da Imprensa Brasileira informou que […]

 

Batemos um papo com Júlia sobre sua trajetória profissional e seus interesses no jornalismo esportivo

Entrevista conduzida por Andreza Delgado, matéria escrita por Raphael Guimarães

De acordo com dados do IBGE, 56% da população brasileira se autodeclara negra. Em paralelo a isso, uma pesquisa de 2021 feita pelo Perfil Racial da Imprensa Brasileira informou que somente 20% dos jornalistas nas redações brasileiras são negros. E embora não haja dados concretos, acredita-se que esse número seja ainda menor quando levado para o nicho do jornalismo esportivo, que sofre com a falta de representatividade, não apenas negra, mas também feminina e até mesmo de profissionais que estejam fora do eixo Rio-São Paulo.

Júlia Belas é um dos nomes que surge como uma resposta a essas ausências de representação na mídia esportiva, não apenas por fazer parte de tais grupos sociais  mas principalmente por se importar e acreditar na importância de tocar nestas pautas em seu trabalho. A jornalista, em entrevista à PerifaCon, compartilhou um pouco de sua visão e de sua trajetória com o jornalismo e com o esporte até aqui.

Nascida e criada em Salvador, Bahia (“eu nasci aqui, cresci aqui, fui criada assim, vou ser sempre assim”, brincou a jornalista, em referência a Modinha Para Gabriela, de Dorival Caymmi e Gal Costa), Júlia sempre teve o futebol presente em sua vida, torcendo para o Vitória desde a sua infância. Depois de crescer sendo levada ao estádio por sua mãe, a decisão por um curso na faculdade não poderia ser outra: Jornalismo e, obviamente, com foco no campo esportivo. Em sua carreira, a cobertura de cultura, entretenimento e política foi comum e, segundo ela, “faz parte”, mas nada nunca chamou a atenção de Júlia como o esporte chama.

“A minha ideia era trabalhar com futebol masculino, cobrir o Vitória, ir pra beira do campo e perguntar “e aí? como foi o jogo? e esses três pontos?”. Sempre foi o meu sonho ver o Vitória ser campeão mundial, ir pra Tóquio assistir, cobrir e aí no final me acabar de chorar. Era uma ideia minha e infelizmente não aconteceu ainda.”, diz a jornalista que se formou em jornalismo na UFBA em 2014.

Embora o objetivo inicial de Júlia fosse trabalhar cobrindo futebol, o Vitória e toda essa ideia principal que se tem no imaginário popular do que é o jornalismo esportivo, não foi exatamente isso que rolou no início de sua carreira, ainda como estagiária, o que a forçou a expandir os horizontes e olhar mais para outros campos e “dar um jeito de fazer seu próprio trabalho e não ficar só falando de Flamengo, Palmeiras e Corinthians” como ela já ouviu de chefes e editores. 

Já havia quem cuidasse dos clubes e esportes mais populares, coube a Júlia se aventurar pelos esportes olímpicos (o que hoje é parte de seu interesse) e até de outros tipos de futebol, como o futebol feminino ou o futebol paralímpico, duas modalidades que carecem de atenção dos grandes veículos. Uma cobertura pouco diversa é derivada de um jornalismo pouco diverso. O que Júlia levanta é a dificuldade desses tópicos chegarem no imaginário de alguém principalmente  quando a mídia não emprega alguém que não seja homem e branco. 

“A gente não tinha muitas referências de mulheres no jornalismo esportivo. Principalmente aqui em Salvador, né? Era vez ou outra que aparecia uma jornalista ou repórter na TV e quando você olha essas mulheres, também eram todas brancas. E Salvador, não sei se vocês sabem, mas é a cidade mais negra fora da África. Você tem que estar muito interessado em não contratar negros pra montar uma equipe só de brancos em Salvador.”

Sua jornada profissional ficou mais movimentada a partir de 2015, quando fez um mestrado em jornalismo esportivo na Inglaterra, através de uma bolsa de estudos.

Ao retornar para o Brasil, se mudou para São Paulo e passou por diversos veículos de massa onde, ao tentar incluir pautas como raça e gênero ouvia desencorajamentos como “vai cobrir outra coisa,ninguém liga pra isso.” Isso não a desmotivou. O foco de suas matérias continuou sendo trazer visibilidade para as questões que julgasse silenciadas e importantes, seja no seu trabalho na Goal Brasil (como com os textos Pelos 8 de Março que Virão e Jogadoras trans não são uma ameaça ao futebol feminino), pelo Dibradoras (como na matéria Quais os direitos de uma atleta que será mãe?) e até mesmo pelo The Guardian (usando de exemplo sua entrevista com a jogadora Formiga, com o título “O que esperamos e desejamos é ter 100% de respeito”).

Até fora do jornalismo, os interesses de Júlia se fazem presentes em diversos projetos com sua participação, tal qual sua colaboração como especialista na exposição Tempo de Reação: 100 anos do goleiro Barbosa, no Museu do Futebol, que homenageia o goleiro da Copa de 50 e realiza um estudo sobre o racismo no futebol brasileiro.

Júlia alega que foi necessária muita reflexão (e terapia, ela enfatiza) para convencer a si mesma do quanto ela fazia questão de ser uma jornalista negra que cobre esportes e traz recortes de gênero e raça para o seu trabalho. 

A jornalista nos contou, ao perguntarmos sobre mudanças no cenário atual, que tem dias que está mais otimista e em outros não. Ao mesmo tempo em que reconhece um aumento da diversidade no jornalismo esportivo (como o crescimento da cobertura de futebol feminino), Júlia evidencia que ainda há uma preferência da mídia por dar atenção a jogadoras, mesmo que não-brancas, de pele mais clara. Isso justifica a escolha da jornalista para o tema de seu doutorado, que será a representação de jogadoras negras pela mídia esportiva brasileira.

 “Por exemplo, no início dos anos 2000 a Federação Paulista de Futebol lançou um decreto dizendo que só jogadoras bonitas podem jogar, com rabo de cavalo, que tinham que usar shortinho e maquiagem para atrair a audiência masculina e atrair os torcedores do futebol masculino. Mas não se fala quem são as jogadoras consideradas bonitas e que teriam o acesso mais facilitado ao futebol feminino, quem são as jogadoras que teriam o rabo de cavalo esvoaçante? […] Então comecei a me incomodar mais e esses incômodos foram virando minha ideia de pesquisa.”

Foi uma questão para Júlia Belas que ela, como mulher negra, estivesse sujeita ou fosse obrigada a falar sempre de questões raciais ou de gênero no seu trabalho como jornalista de esportes. “Será que eu quero falar sobre isso ou será que eu só devo falar sobre isso?” foi uma pergunta que a perseguiu por um tempo. É ao encarar a realidade da mídia esportiva branca e  masculina que ela encontra a necessidade de falar sobre as questões que os outros fingem não ver.

Caso contrário, ela disse, “a gente fica no mesmo gol do Arrascaeta 75 milhões de vezes”.