Banner 4 julho, 2024
por Redação PerifaCon

Entrevista com o Demônio: Uma maneira criativa de abordar a possessão

Como um programa de auditório dos anos 70 o longa traz originalidade ao saturado subgênero de possessão

 

Texto por: Pierre Augusto

Frequentemente, vemos os filmes de possessão caírem nos mesmos vícios e enredos de suas “inspirações”. Devido à popularidade desse subgênero do terror, temos inúmeras produções acomodadas e desesperadas pela atenção do público, mas ainda assim, sem mostrar um pingo de originalidade. Isso dá ainda mais potência para “Entrevista com o Demônio”, que se distancia da fórmula padrão ao se perguntar: “E se um exorcismo em um talk show desse MUITO errado?”

No Halloween de 1977, o programa de auditório “Night Owls”, apresentado por Jack Delroy (David Dastmalchian, de O Esquadrão Suicida 2021), decide televisionar uma entrevista entre uma parapsicóloga, sua paciente (uma sobrevivente da seita satânica de Szandor D’Abo, que está supostamente possuída), e um cético especialista em desmascarar casos sobrenaturais. Tudo isso para alavancar sua audiência, que vem caindo cada vez mais depois da morte de sua amada esposa. Com esta premissa simples, os irmãos Cameron e Colin Cairnes roteirizam e dirigem o longa que te teletransporta para um verdadeiro programa de palco, com a atmosfera e todo o aspecto datado de uma TV de tubo, sons e caracterizações que, por vezes, te fazem realmente acreditar estar acompanhando uma transmissão dos anos 70.

O formato televisivo funciona tão bem que, nas poucas ocasiões em que ele é quebrado, temos os pontos negativos da narrativa. A escolha de adotar um filtro preto e branco para nos mostrar que estamos vendo imagens de bastidores, com uma câmera seguindo o apresentador (que sabemos ser inviável tanto para a época quanto pelas informações ditas nas gravações), nos tira da imersão proposta, apesar de ser uma tentativa de nos mostrar como cada personagem reage às bizarrices que se acumulam no especial de Halloween.

Não é difícil notar que a proposta de roteiro simples vem de um orçamento baixo da produtora. Os efeitos visuais bregas dão um charme ao período em que o filme é ambientado, trazendo maior harmonia com o todo. Mas de nada os quesitos estéticos iriam adiantar se não fosse a atuação de David Dastmalchian, que desde o primeiro momento já nos convence do papel do apresentador sensacionalista, usando humor e piadas ácidas características desses programas.

Outros personagens que brilham são Ingrid Torelli, que, ao fazer a jovem possuída, se sai muito bem em ser assustadoramente esquisita. Suas expressões e encaradas para a câmera nos transmitem a estranheza de sermos observados por ela, sempre passando suas mensagens por meio de frases que dizem mais do que aparentam. O cético interpretado por Ian Bliss (Matrix Reloaded e Revolutions) brilha ao ser inconveniente e contestar cada prova apresentada a Jack e seus telespectadores, muitas vezes sendo o gatilho para as principais cenas, como o trecho da hipnose que irá revirar o estômago até dos mais fortes.

O terceiro ato do longa reforça que, ao quebrar as amarras do formato e sair do estilo “found footage”, a trama perde seu principal charme, esquecendo completamente da proposta conduzida anteriormente e optando por delírios mentais de seu personagem em certo ponto.

Muitos consideraram “Entrevista com o Demônio” o melhor filme de terror do ano. A princípio, parece uma medida precipitada devido à simplicidade da trama e à escolha de não conduzir os sustos com os famosos “jump scares”, indo muito mais para um humor desconfortável com aquele bom e velho gore no efeito prático. Mas o que faz este se destacar em meio ao mar de mediocridades do gênero é justamente a abordagem de pegar um tema usual e dar outra perspectiva, mostrando que o horror de possessão pode se inovar mesmo já tendo sido tão desgastado.

Já em cartaz nos cinemas.