Banner 1 novembro, 2024
por Redação PerifaCon

Em “O Senhor dos Mortos” Cronenberg faz do voyeurismo funerário sua terapia

Na linha tênue entre o absurdo e o comovente, Cronenberg coloca a perda em perspectiva com uma trama de horror.

 

Texto por: Pierre Augusto

David Cronenberg, o diretor conhecido por usar body horror em filmes como A Mosca e Scanners, já havia mudado o direcionamento de seus longas para algo menos visceral há algum tempo, sendo O Senhor dos Mortos um desses frutos mais pessoais. Em 2017, sua esposa, Carolyn Zeifman, veio a óbito, e o processo de luto do diretor acabou se refletindo de maneira clara em todo o desenvolvimento dessa produção.

Em meio ao processo de luto por ter perdido sua esposa para uma doença terrível, o desenvolvedor de tecnologia Karsh (Vincent Cassel, de Cisne Negro) cria uma manta/mortalha para usar em seus negócios funerários, a GraveTech. A ideia da mortalha é revelar o corpo em vez de escondê-lo, com uma tecnologia que “preserva” o defunto para que o ente querido possa ter o processo de decomposição assistido por seus familiares ao conectar seu celular à lápide. Até que, certo dia, o local onde a esposa de Karsh está enterrada é vandalizado, junto com outros túmulos, o que abre espaço para suspeitas e conspirações.

A excentricidade do desenvolvedor milionário é uma maneira verborrágica de abordar a negação característica do luto. Mas Cronenberg não fecha os olhos para o aspecto bizarro de “acompanhar com paixão a decomposição de sua amada”. Karsh ainda leva o tema com muita seriedade, e é aí que está o humor macabro escolhido pelo diretor; tanto os demais personagens quanto nós, espectadores, estamos cientes do contexto surreal, o que gera momentos estranhos e engraçados.

Além da negação em abandonar o corpo de sua esposa, Karsh também possui uma IA pessoal, com a aparência idêntica à da mulher, e, como se não bastasse, mantém um contato extremamente próximo com a irmã gêmea dela, interpretada por Diane Kruger (Bastardos Inglórios). A fixação pelo corpo da esposa é reforçada a todos os momentos, ressaltando o trauma que vemos pela maneira horripilante pela qual a doença acabou tomando a vida de seu amor.

Abordar o luto dessa maneira é extremamente criativo, o que dá ao filme um teor instigante. Porém, as voltas e voltas que a trama dá quase parecem andar em círculos, sem se preocupar tanto em amarrar os pontos para que, mais adiante, as coisas façam sentido. Subtramas são criadas e deixadas de lado rapidamente, com uma chuva de teorias absurdas em certo momento, usadas tanto para confundir o protagonista quanto o espectador.

O “Senhor dos Mortos” é um exercício criativo com uma abordagem muito fora do comum, mas com tantas voltas que parecem estender o filme para 3 horas, mesmo que tenha quase 2.