Colunas 10 outubro, 2022
por Raphael Guimarães

Em ‘Morte Morte Morte’, a geração Z é a piada e o piadista

Sátira da A24 tem tudo pra ser desrespeitoso mas é esperto demais para isso Para iniciar com uma reclamação de cinéfilo chato: o título em português do filme estraga a atmosfera de surpresa do nome original.  Usar três vezes a palavra “morte” já prepara o público para um filme de terror, enquanto o título original […]

 

Sátira da A24 tem tudo pra ser desrespeitoso mas é esperto demais para isso

Para iniciar com uma reclamação de cinéfilo chato: o título em português do filme estraga a atmosfera de surpresa do nome original. 

Usar três vezes a palavra “morte” já prepara o público para um filme de terror, enquanto o título original (Corpos Corpos Corpos) poderia também dar indícios de que uma série de assassinatos aconteceria mas, somado a estética dos pôsteres do filme com os personagens curtindo uma festa com bebidas e colares luminosos, insinua que esse novo projeto da A24 fosse um filme de festa e pegação (no estilo de Projeto X).

De qualquer forma, um outro título que o filme podia ter seria Detetive, já que esse é o nome brasileiro da brincadeira que fazem no filme. Ou Among Us, talvez, não sei. 

Morte Morte Morte foca em um grupo de jovens ricos que se reúne na casa de um deles para passar uma tempestade curtindo, bebendo e usando todo tipo de droga. Após todos os personagens e seus dramas pessoais serem apresentados, surge a ideia de jogar Morte Morte Morte para brincar de “quem é o assassino” até que falta energia elétrica e sinal de telefone, a brincadeira fica séria demais e o corpo morto e degolado de David (Pete Davidson) é encontrado. 

A partir daí se inicia uma sequência de paranóias e acusações entre jovens chapados, assustados e confusos que estão mais preocupados em encontrar culpados pelos acontecimentos da noite do que em lamentar as tragédias que vão rolando conforme a trama avança. 

Não precisa pensar muito para entender que o filme é uma sátira à geração atual.

A diretora Halina Reijn, nascida nos anos 70, usa um filtro adolescente/jovem adulto no gênero de “quem matou?” para disfarçá-lo de slasher e assim pontuar que, em seu ponto de vista, a juventude atual tem mania de perseguição e não sabe lidar com situações de crise sem torná-las sobre si. 

O filme praticamente compara os jovens com esse meme.

É impressionante o tanto que esses personagens choram quando são ofendidos e o quão pouco choram quando vêem um de seus amigos morto no chão. 

Falando assim, dá pra pensar que Morte Morte Morte é um filme anti-jovem e que resgata uma rivalidade geracional inútil e patética (tipo aquela treta online sobre o termo “cringe” no ano passado) mas a produção não se reduz a isso. 

O próprio David, um jovem que é retratado como insensível e egoísta, crítica o uso do termo “gaslighting” dizendo que é “uma palavra inventada que só comprova que você usa a internet” e é duramente criticado pelas outras personagens e pela própria trama do filme. 

Em nenhum momento Morte Morte Morte banaliza os problemas que a geração atual enfrenta, na verdade o longa critica justamente a banalização e sobreuso de assuntos sérios como depressão, borderline, dismorfia corporal e a reabilitação de um adicto. 

O olhar que o texto carrega vem mais de um lugar de preocupação do que de julgamento e usa o estilo jocoso e ácido das piadas e sátiras justamente para não soar “velho demais” e sim divertido, chamativo e com um visual rebelde, caótico.

Não obstante foge do cringe como também se entrega ao poggers.

“Você me dá gatilho”

E óbvio que um filme como esse que critica de forma pacífica a juventude não seria um filme completo se não possuísse e capturasse a ótica da própria juventude. Esse elemento está no elenco, a melhor coisa de Mortes Mortes Mortes.

Embora ninguém do elenco tenha menos de vinte anos (a mais nova é Amandla Stenberg, que faz a protagonista Sophie, de 23 anos), todos capturam e transmitem com maestria a energia autodestrutiva, egocêntrica e frágil que a diretora observa nos jovens. 

Como o elenco é brilhantemente expressivo e parece compreender a sátira sem levar pro pessoal, a performance de cada um deles constrói personagens que são cativantes e encantadores na mesma medida que são repulsivos e exagerados. 

Por fim, entre tanto subtexto que beira ao ofensivo mas surfa bem nos limites da sátira, autocrítica e comédia perspicaz, ainda há espaço para que brilhe Alice, interpretada pela maravilhosa Rachel Sennott (que desde seu papel em Shiva Baby tem mostrado ser uma das atrizes mais autênticas dos últimos anos).

Olha que anjinho.

Destaque para O diálogo do filme:

Os seus pais são de classe média-alta.

Não…. Eles não são.

Eles dão aula em uma universidade!

É pública!