por Redação PerifaCon
Detry: “Os protagonistas são LGBTs, mas falamos de humanidade”
O ônibus “Priscilla - a Rainha do Deserto” estacionou no palco do teatro Bradesco trazendo protagonismo trans e arte drag
Por: Romulo Santana
O longa “Priscilla, a Rainha do Deserto” dirigido pelo australiano Stephan Elliott em 1994, foi imortalizado na cultura LGBTQIA+ e ganha os palcos do teatro musical desde o ano 2006, quando estreou na Broadway com arcos narrativos que exploram a arte drag queen´- pessoas que se montam utilizando maquiagens e roupas, performando trejeitos femininos exagerados com finalidades artísticas.
O elenco conta com Reynaldo Gianecchini como Mitzi, Diego Martins como Felícia, Verónica Valenttino e Wally Ruy alternando a personagem Bernadette, formando assim o trio protagonista, no espetáculo que estreou no Teatro Bradesco, em São Paulo, no último dia 15 de Junho e fica em cartaz até 1° de Setembro.
Montada pela primeira vez no Brasil em 2012, a trama acompanha três drags, sendo uma delas mulher transexual, juntas atravessando um deserto australiano em um ônibus conhecido como “Priscila”, a aventura tem como objetivo divulgar o show das artistas enquanto elas lidam cada uma com suas questões interiores.
“O Drag de hoje”
Por diversas vezes a equipe criativa cita o reality show RuPaul’s Drag Race, como um elemento que popularizou e dissipou a diversidade do movimento drag. O designer de maquiagem Alisson Rodrigues criou 110 maquiagens diferentes, segundo ele o maior desafio do seu processo criativo foi se desvincular do legado de RuPaul: “Ikaro Kadoshi, Divina Núbia, Divina Valéria, Greta Star. Temos drags brasileiras antes do RuPaul, são essas pessoas que eu quis trazer as referências e homenagens”
O diretor do espetáculo Mariano Detry, aponta para o tamanho do investimento na produção: “Obviamente arte Drag é cara, é grande, é muito detalhada e a gente não pode fazer um espetáculo sem ter muito figurino, muitas perucas, muitas máscaras”. Ele exalta as mudanças feitas pela equipe criativa à frente do espetáculo que não contemplam somente as tramas, mas coreografias, cenários, figurinos e maquiagens: “Temos uma ‘Priscila’ atemporal, eu fiz muitas mudanças no texto aprovado pelos licenciadores e demos um jeitinho de trazer muito do drag de hoje”.
“Estamos com os microfones nas mãos”
Bernadette, uma das protagonistas é uma mulher transexual e foi representada tanto no filme, quanto nas montagens mundo a fora por homens cis gênero, aqueles que se identificam com seu sexo biológico. Nessa adaptação brasileira, Bernadette é representada pelas atrizes Verónica Valenttino e Wally Ruy, ambas mulheres transexuais que alternam nas sessões do espetáculo.
Sobre o ineditismo mundial, Valenttino diz que: “O fato de estar presente é precioso”, Wally completa com: “Hoje estarmos nesse espaço falando por nós é muito importante, é simbólico e sintomático. Estamos com os microfones nas mãos porque deixamos de ser objetos de estudo”.
O espetáculo também utiliza elementos do ball room, movimento cultural e político underground, que está fora da mídia e dos padrões sociais. Enraizado nas regiões periféricas de Nova York celebra raça, gênero e sexualidade, através da resistência para pessoas pretas, latinas e LGBTs durante a epidemia de HIV.
A ball contava com competições de vogue, o estilo de dança presente nas coreografias reformuladas pela coreografa da produção, Mariana Barros. O estilo é caracterizado por poses performáticas que remetem as modelos da revista de mesmo nome – além de ser um espaço fashionista que representa a resistência queer, espectro de pessoas que não se enxerga dentro da heteronormatividade.
Na semana de estreia Gianecchini compartilhou em suas redes sociais fragmentos do processo de ensaios para viver a personagem, recebendo comentários negativos sobre sua performance e em alguns casos questionando a representatividade do espetáculo no que diz respeito à história da cultura ball room e ausência de pessoas da cena em lugares de protagonismo: “Tudo isso mexeu muito comigo, sempre fui muito cobrado sobre minha sexualidade. O processo dela [personagem] se confunde com o meu”.
O diretor da peça Mariano Detry acredita que o espetáculo aborda questões universais: “Os protagonistas são LGBTs, mas falamos de humanidade”. Já a intérprete de Bernadette, Verónica Valenttino, crê que a obra pode convidar o público a vivenciar as experiências com um novo olhar: “Para o corpo LGBT muitas vezes o amor é um privilégio e a gente espera que o público venha para se olhar e olhar o outro de forma mais empática”.