por Redação PerifaCon
Brasil recebe a ExpoCannabis pela primeira vez
O evento internacional apresentou a vasta capacidade da planta em diversos setores
Texto por Danielle Nishimura
Em meio a um momento em que o Brasil reavalia suas leis proibicionistas, a feira Expocannabis, que já acontece há 10 anos no Uruguai, teve a venda de ingressos esgotados e reuniu 142 expositores de sete países, 128 palestrantes, 9 associações e cerca de 20 mil visitantes em 3 dias de evento – 15,16 e 17/09 – no Expo São Paulo.
A ideia da feira é apresentar ao público (e ao mercado) os inúmeros cultivos e usos da planta, desde o recreativo, ao uso terapêutico e medicinal, até a sua atuação na indústria de alimentos e bebidas, de construção civil, indústria têxtil e biocombustível. Além dos stands dos expositores que já atuam nesse setor, o evento contou com duas salas de palestras e rodas de conversa sobre o tema, a sala do “Fórum Internacional” e a “Arena do Conhecimento”.
A feira de origem Uruguaia, país onde o uso medicinal, adulto e industrial da Cannabis é legal e regulado, reacende a discussão das leis de drogas em nosso país. Temos acompanhado recentemente a retomada do debate político em torno de decisões sobre a posse, uso e acesso medicinal da erva, o que inclui chegar em um consenso sobre a quantidade do porte de maconha que diferencie o usuário do traficante.
Enquanto a erva já tem seu uso medicinal regulamentado em mais de 50 países, e outros tantos como Canada, Estados Unidos, Portugal, Nova Zelândia, Suíça, Holanda, Jamaica, África do Sul e Republica Dominicana tem atualizado a regulamentação quanto seu uso recreativo e industrial, os parâmetros de produção, distribuição, posse e venda, em nossas leis são falhas e acarretam diretamente no descaso com pacientes medicinais, assim como no racismo estrutural, já que a falta de regulamentação contribue com o encarceramento de jovens negros e periféricos.
Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Brasil ocupa a terceira posição no ranking de países que mais prendem no mundo, uma a cada três pessoas foi presa por delitos relacionados à atual legislação de drogas. Se o limite de posse de maconha proposto pelo Ministro Alexandre de Moraes (entre 25g e 60g) for adotado, 31% dos processos por tráfico de drogas em que houve apreensão de maconha poderiam em tese ser reclassificados como porte pessoal, e outros 27% dos condenados nesses mesmos termos poderiam ter os julgamentos revistos por estarem dentro do parâmetro.
Roda feminista antiproibicionista
Durante a “Roda Feminista Antiproibicionista”, que aconteceu no 1º dia de evento na Arena do Conhecimento, acompanhamos os relatos de Driele Amunã, integrante do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), de Fran Silva e Fani Santos, ambas integrantes da RENFA (Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas) e de Letícia Laranjeira, psicóloga da PsicoCanabis.
Com destaque para o questionamento sobre o falso combate às drogas, elas apontam que o debate tem que ir além da legalização da maconha, afinal as consequências dessa suposta guerra às drogas faz vítimas fatais e tem aumentado o número de cárcere inclusive entre as mulheres, em sua maioria mulheres negras, chefes de família das favelas e periferias, locais em que a população é a mais prejudicada por suposta proibição.
“E aí quando a gente vai ver, por exemplo, o modelo de legalização do Uruguai, que é um modelo que eu acho que a gente não tem como se espelhar, porque por mais que lá seja legalizado, o narcotráfico continua… E quando a gente vai ver o narcotráfico são mulheres pretas que continuam nas suas favelas vendendo uma maconha com má qualidade, que continuam sendo presas também, porque é um modelo de legalização que continua favorecendo as pessoas privilegiadas”, destaca Fran Silva sobre a importância de se pensar em um modelo de legalização antiproibicionista além do que prega as pautas da branquitude.
Diversidade e inclusão na indústria da cannabis brasileira
Lívia Oliveira, a primeira consultora canábica trans do Brasil e integrante da roda de convidades da palestra sobre “Diversidade e inclusão na indústria da cannabis brasileira”, questiona a homofobia dentro do setor, uma vez que já recebeu proposta de trabalho com escrachada diferença salarial entre ela e uma mulher cis.
Além disso, afirma e alerta que “enquanto mulher preta e trans, a gente sempre está inserida nesse contexto de ganhar menos, de estar sempre em cargos base, dificilmente a gente consegue crescer dentro de uma empresa… com cargo de liderança, de diretoria, cargo de CEO. A gente precisa de diversidade, a gente precisa pensar também em outros patamares, não só nos cargos iniciais”.
Luna Vargas, moderadora do Fórum em voga e criadora do curso de consultoria canábica Inflore, ressalta a importância da criação de políticas públicas e uma regulamentação pautada na justiça social. “Se o cânhamo for legalizado no Brasil, quem é que tem terra? A gente não fez reforma agrária ainda, então quem vai produzir o cânhamo, provavelmente a indústria agro. Vocês acham que essa conversa com a galera do agro vai funcionar quando?”
Roteirista, apresentador e editor de programas que visam à conscientização social e à luta contra a proibição das drogas com foco na questão racial, Marcio Makana, nos conta que “recentemente eu e outras pessoas pretas começamos um movimento de criar um grupo, chamado Aquilombrar, misturando quilombo, com lombra. É um grupo de pessoas pretas que produzem conteúdo sobre cannabis, um grupo justamente pra gente promover essa galera, e diversificar os rostos e os corpos que falam sobre maconha no Brasil”. Para conhecer mais siga @aquilombrar.