Banner 20 setembro, 2023
por Redação PerifaCon

“Ângela” se perde entre ficção e biografia

O filme dirigido por Hugo Prata e protagonizado por Ísis Valverde, retrata os  últimos meses de vida da badalada socialite Ângela Diniz, assassinada por seu companheiro Raul Fernando do Amaral Street em 1976.

 

Texto por Romulo Santana

Há 44 anos, Elis Regina lançava “Alô, alô marciano”, onde o seguinte verso é bradado: “Tá cada vez mais down in the high society”. Esse trecho sintetiza como tudo parece girar em torno das altas classes sociais. Tal produção audiovisual brasileira, que se torna cada vez mais a sensação do momento, o true crime. Ao se deparar com a presença de “Ângela” no hall de poucos cinemas, o público pode se perguntar, afinal, por quê se importar com um filme nacional que narra os momentos finais de uma socialite da high society mineira? 

O caso ganhou notoriedade novamente no ano de 2020, com a estreia do podcast “Praia dos Ossos” da produtora Rádio Novelo, a partir da pesquisa jornalística de Branca Viana, que narra a reportagem em áudio.

Sem delongas, Ângela Diniz, interpretada por Ísis Valverde, é colocada no centro das telas sem uma introdução digna dos eventos prequelares da trama. Uma figura que marca presença em colunas sociais, após um desquite conturbado e uma disputa interminável pela guarda de seus três filhos. No entanto, logo em seus primeiros minutos, a obra mostra que o assédio da imprensa, que perseguiu Ângela Diniz até o túmulo, não ganharam os contornos necessários para atingir a crítica, que detém grande presença nas obras deste novo gênero.

Raul (Gabriel Braga Nunes), pode ser interpretado desde sua primeira aparição como um “alpinista social”, visto que ele é tratado como “marido troféu” por Adelita, o que não muda quando Ângela abre sua vida íntima para tê-lo como o “diferente” da nata carioca-mineira, da qual o filme retrata.

Aquele interesse mútuo, faz Street abandonar sua esposa e filho, para viver com Ângela fora da ponte Rio-Minas. A Praia dos Ossos, em Búzios, é o destino escolhido, onde Diniz compra a casa que marca a virada da história. Rapidamente o “amor”, toma as frentes necessárias para que o roteiro possa se apossar do chamado “ciclo da violência”. Os momentos violentos do casal, contemplam um observatório para suas dependências, ela a emocional e ele a econômica, embalados em uma trilha sonora e escolhas estéticas que bebem do cinema setentista hollywoodiano.

As opiniões podem discordar sobre gostar ou não da trama, mas é incontestável o reconhecimento da profundidade cênica apresentada pelo filme. Ísis Valverde entrega sentimento e consegue demonstrar o turbilhão de emoções vividas por Ângela, com direito a cenas de drama extremamente densas e críticas ao culto da beleza e da felicidade que são extremamente válidas no contexto. Gabriel Braga Nunes (Raul), Bianca Bin (Vitória Maria) e Alice Carvalho (Lili) também merecem menções quanto ao desempenho dramático.

Na pior das leituras a trama utiliza Ângela como o retrato dessa violência diária enfrentada por mulheres, que neste caso – mas que não só nele, culmina em um feminicídio.

A questão então seria a seguinte: por que somente o feminicídio ocorrido em berço de elite é dado como impactante, enquanto recorrentes casos, como este ocorrem com grande frequência nas periferias e se tornam inesquecíveis? O anuário da violência contra a mulher, produzido pelo FBSP -Fórum Brasileiro de Segurança Pública, menciona que entre os 1.341 casos de feminicídio, 62% destas mulheres eram pretas e foram assassinadas dentro de sua casa, assim como Ângela Diniz, mas no fim o true crime só compra histórias vendidas do berço da elite.

O clímax da história é extremamente mal aproveitado, visto que o espaço usado para crítica a tal “Legítima defesa da honra”, extinta somente este ano pelo STF. O argumento utilizado por Street para justificar o crime, não é criticado de forma digna, se resumindo à 4 cartelas, sem dignificar essa figura que permanece ensanguentada no corpo social brasileiro. Ao final, a história da Pantera de Minas se torna mais ficcional do  que biográfica ou crítica, saindo das telas sem contar sua vida antes de Raul, muito menos os desdobramentos do caso real.